A violência contra a mulher faz milhões de vítimas no mundo inteiro, mas ainda é um tabu. Longe de estar encerrada, a questão é alimentada diariamente pela falta de informação e por opiniões sem embasamento social, histórico ou legal, que dificultam a compreensão da gravidade e a resolução de crimes contra a população feminina.
Conheça alguns dos principais mitos e boatos sobre estupro e entenda qual é a realidade por trás de cada fala equivocada.
Estupro é apenas quando existe penetração?
A legislação brasileira caracteriza como estupro não só a penetração (vaginal e anal), mas também qualquer ato libidinoso realizado contra a vontade da vítima por meio de violência ou ameaça. Dessa forma, toda manipulação erótica (que tem como objetivo o prazer sexual) violenta ou não consentida é considerada estupro, como sexo oral, beijo, contato do pênis ou das mãos do agressor com a boca, seios e corpo da vítima.
O que é o estupro de vulnerável e sexo consentido?
Primeiramente, é fundamental entender que qualquer prática sexual de adultos com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, independentemente de consentimento da vítima. Isso quer dizer que, mesmo que o adolescente tenha concordado com a relação, o ato é criminoso.
Além disso, atos sexuais com pessoas incapazes de discernir ou oferecer resistência também são criminosos. Assim, é considerado estupro praticar relação com pessoas doentes, portadoras de deficiências ou insuficiências mentais, que estejam sob efeito de drogas (álcool, remédios e outros entorpecentes) ou em qualquer condição que interfira na capacidade de julgamento e decisão.

Sexo consentido ocorre quando a pessoa maior de 14 anos (idade legal em que, no Brasil, o adolescente passa a ter autonomia sexual) tem plenas condições de se manifestar e decidir pela prática. Isto é: para que haja consentimento, a pessoa deve estar em boa condição de saúde física e mental e livre de substâncias que possam interferir na escolha.
A vítima tem culpa da agressão?
A dignidade sexual é um dos direitos assegurados ao ser humano e não pode ser violado sob nenhuma circunstância. Assim, não importam as condições (aparência, comportamento, vestimentas, local, horário, companhias ou qualquer outro fator): constranger, violentar ou forçar qualquer prática sexual sem consentimento é crime.
Vale acrescentar que a legislação brasileira prevê o estupro sempre como um crime doloso (em que há intenção de cometer a violência) e nunca como um crime culposo (que pode acontecer acidentalmente). Portanto, o estuprador é, sob qualquer circunstância, o responsável pelo estupro.
Não é estupro se é marido ou namorado
Qualquer ato sexual não consensual é estupro, não importa quem é o agressor. Toda mulher tem direito de decidir quando e com quem quer manter algum tipo de relação sexual – o casamento ou compromisso amoroso não implica nenhum tipo de obrigação ou atos contra a vontade da mulher. Ao contrário: uma infinidade de casos de estupro e abuso denunciados aconteceram dentro de casa, com o parceiro.
Mas homens também são estuprados…
Qualquer ser humano pode ser vítima de estupro, mas a diferença numérica entre homens e mulheres é, no mínimo, gritante. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015, a cada 11 minutos uma pessoa é estuprada no Brasil (esse número leva em conta apenas os casos denunciados). Cerca de 90% desse total é do sexo feminino, dentre os quais, 70% é composto por crianças e adolescentes.
No entanto, não só os números comprovam que estupro é um problema de gênero, assim como o abuso psicológico e a violência doméstica. O contexto que privilegia o homem em diversos setores sociais (do mercado de trabalho à liberdade sexual) mostra que as mulheres ainda precisam desafiar inúmeros paradigmas para garantirem direitos que sempre pertenceram ao gênero masculino – dentre eles, a autonomia sobre o próprio corpo. A comparação das causas de crimes contra homens e mulheres estabelece uma falsa simetria.

Mas quantas babás já não abusaram de crianças…
Os números sobre casos de abuso sexual na infância ainda estão longe de demonstrarem a realidade, uma vez que o índice de denúncias é baixíssimo. No entanto, muitos dos casos de violência relatados são contados por meninas – e que sofreram abuso de homens próximos, como pais, tios, padrastos, entre outros parentes e conhecidos.
O crime de pedofilia ainda é um problema grave não só no Brasil e, em geral, não faz distinção e gênero: considerada um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde, a pedofilia faz com que o adulto sinta atração por crianças com características específicas. Já os estupradores procuram, conscientemente, crianças vulneráveis.
Agora tudo é feminismo? Tudo é crime de gênero?
“A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção de nossa humanidade”, explica o relatório da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres).
São assustadores os números de mulheres assassinadas e violentadas pelo simples fato de serem mulheres (fenômeno chamado de feminicídio). Relatos e casos de mulheres e meninas que sofreram abuso sexual ou psicológico começam a vir à tona e é natural – e necessário – olhar para esses dados com mais atenção.
O Mapa da Violência publicado pela ONU mostra que uma grande quantidade de mulheres já sofreu algum tipo de violência (psicológica, sexual e verbal) de parceiros e desconhecidos – 85% das brasileiras, por exemplo, já tiveram seus corpos tocados sem permissão, enquanto 56% dos homens admitem já ter agredido ou forçado a parceira a ter relação sexual. Além disso, uma parcela razoável da população ainda acredita que existem justificativas (como tipo de roupa ou comportamento) para a violência contra a mulher.
O movimento feminista tem como objetivo garantir às mulheres direitos legais (como equiparação salarial) e “sociais” a que os homens sempre tiveram acesso – como espaço no mercado de trabalho, respeito a suas escolhas em relação à família, carreira, comportamento, casamento, entre outros fatores.
Apesar dos números altos, a violência contra a mulher ainda é um tabu e muitas delas ainda têm medo de denunciar o agressor por uma série de motivos, entre eles, a culpabilização da vítima.

Devo me preocupar com a cultura do estupro? O que é isso? Coisa de feminista?
A cultura do estupro é uma construção que banaliza, tolera e faz vista grossa ao abuso contra o corpo da mulher. É claro que o tema esbarra no problema da generalização (“nem todo homem é um estuprador”), mas basta analisar os números para constatar que a violência contra a mulher não é caso isolado e é legitimada por um contexto social que subjuga, controla e cerceia a sexualidade, comportamento, aparência e hábitos femininos.
O exemplo mais simples é a reação imediata de boa parte das pessoas ao tomar conhecimento de um caso de estupro: “O que a mulher estava vestindo? Ela estava provocando?”. Nesse cenário, em que a culpa recai sobre a vítima, são perpetuados hábitos que violentam e matam centenas de mulheres e meninas diariamente.
E isso não é problema só das mulheres. O crime de gênero deixa impune criminosos que são nocivos a todos e reforça comportamentos que perpetuam preconceitos, discriminações que atrasam o desenvolvimento de toda a sociedade.
Fontes (consulta em 30 de maio de 2016):
Portal Palácio do Planato
Ministério da Educação
Organização dos Estados Americanos
Supremo Tribunal Federal
ONU Mulheres
Código Penal Brasileiro ( Artigo 217-A do Código Penal e Artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 8.072/90)
Mulher, saiba o que fazer: como denunciar e se defender legalmente de assédio sexual