Zero à esquerda

Soninha é aquela típica boazinha. Brigar é uma palavra que não faz parte de seu vocabulário. Dizer não, nem pensar! Ela concorda com tudo. Com Soninha, a vitória é sempre por W.O, já que ela nem entra em campo em uma discussão. Agradar ao outro, seja lá quem ele for, é a sua missão na vida. Tudo está bom do jeito que está, ambição para quê? A Soninha é o exemplo perfeito de pessoa simplória, que não sabe negar um pedido, nem defender seu ponto de vista, por mais que isso a prejudique. É uma pessoa que não incomoda e é até útil, mas que também não faz muita diferença em seu círculo pessoal e profissional conseguindo, no máximo, acrescentar o valor de ser um zero à esquerda social.

Dinheiro emprestado, babá para emergências, carona depois do trabalho. A publicitária Vera Santos tinha uma amiga que quebrava esses galhos e mais algumas árvores inteiras. Esse pau para toda obra, no entanto, quase nunca era lembrado na hora das grandes festas e jantares que Vera dava em sua casa. “É incrível, mas quase nunca lembrava dela na hora de fazer a lista de convidados! A Mariana era do tipo apagado, nunca se metia em discussões para defender seus pontos de vista. Parecia que só estava ali para ajudar ou, como diziam as línguas maldosas, para servir. Ela sempre foi muito boa para mim, mas definitivamente não figura na lista dos meus melhores amigos. Acho meio irritante aquele jeito Poliana dela, que acha tudo maravilhoso do jeito que é”, admite a publicitária.

Por mais cruel que possa parecer, o esquecimento é o destino de quase toda pessoa simplória, acredita a professora de inglês Tatiana Pacheco, uma, digamos, humilde em excesso assumida. Mesmo tendo toda boa vontade do mundo com tudo e com todos, Tatiana conta que não sente que a recíproca é verdadeira. “Às vezes, me sinto preterida nas saídas e reuniões de amigos. Muitas pessoas só lembram de mim na hora de pedir um favor. Acredito que humildade em excesso atrapalha, as pessoas acabam abusando porque sabem que não vou reclamar”, diz Tatiana. Mesmo sabendo que seu modo de agir a prejudica, a professora afirma que não consegue ser diferente. “Apesar de ter alguns problemas, não consigo. Odeio discussões e não gosto de desagradar os outros. Parece que, se fizer isso, eles vão gostar ainda menos de mim”, explica.

Perder o namorado para a melhor amiga foi a gota d’água para a estudante de História Vanessa Andrade mudar o seu modo de agir. No melhor estilo graças-a-Deus-que-alguém-gosta-de-mim, a estudante segurava a onda e ficava quieta, mesmo notando a aproximação em excesso das duas pessoas de quem ela mais gostava. “Achava que, se reclamasse, as coisas piorariam e eles iriam me deixar de vez. Então me resignei e ficava torcendo para que nada desse errado. Uma vez, eles até me disseram que sairiam juntos para fazer compras e eu não disse nada! Abri um sorriso e concordei. Quando meu namorado terminou comigo, acendeu a luz vermelha. Eu não podia mais continuar agindo daquela forma, estava me fazendo mal. Hoje, aprendi que quando alguém pisa no meu calo, grito o mais alto que posso. Sou mais feliz assim”, garante.

Como a maioria dos problemas de relacionamento, a humildade em excesso é fruto de uma auto-estima baixa, analisa a psicóloga Teresa Garcia. Segundo a profissional, a pessoa simplória não nega nada a ninguém por medo de se sentir rejeitada e menos amada. Para se sentir inserida no grupo, ela opta por fazer a vontade de todos. O que acontece, no entanto, é que ela continua se sentindo excluída e inferior aos outros, por mais que tente agradar. “O primeiro passo para mudar o quadro, é aprender a dizer não, por mais difícil que seja. Nada que contrarie os princípios e prejudique de alguma forma a vida de alguém pode fazer bem”, observa. Então, Soninhas, fiquem tranqüilas: um pouco de egoísmo, com certeza, não faz mal a ninguém.