Juiz prende mulher por ter causado ciúmes que teria motivado crime: isso é legal?

por | out 28, 2016 | Empoderamento

Um caso da Baixada Santista, no estado de São Paulo, chamou atenção quando, depois de mais de um ano de um crime ser cometido, uma mulher, que até então era considerada apenas testemunha, teve sua prisão decretada por um juiz.

O caso é de Santos, cidade do litoral de São Paulo. Na madrugada do dia 30 de março de 2015, Thiago Batista de Barros foi até um bar onde Daniel Nunes Aquino tocava com sua banda e atirou em suas costas, levando o músico à morte.

De acordo com informações do site de notícias G1, na investigação, descobriram que Elyse Chiceri, ex-mulher de Thiago, se relacionava também com Daniel. Em depoimento, ela assumiu que mantinha um relacionamento com os dois homens ao mesmo tempo e que chegou a dizer ao ex-marido que o desempenho sexual do músico era melhor, fazendo uma comparação entre os dois. O caso seguiu e Thiago foi condenado a 18 anos de prisão na última segunda-feira, (24).

Na última quarta-feira, (26), no entanto, Elyse foi surpreendida quando policiais foram até sua casa com um mandado de prisão. De acordo informações do site, para o juiz que o emitiu, Edmundo Lellis Filho, da Vara do Júri de Santos, ela deveria ser presa por não ter comparecido a uma das audiências, mesmo tendo prestado depoimento em outros momentos, e ter um celular com possíveis provas de participação no crime. No documento, o magistrado disse que “as declarações [contidas no celular] causaram séria perturbação trazendo reforço à sensação pública de que se vive em uma sociedade impune e eticamente apodrecida em seus valores morais como: família, fidelidade, liberdade e responsabilidade”.

De acordo com o jornal Expresso Popular, “as ‘provas’ citadas pelo juiz são mensagens trocadas pela jovem, por meio do aplicativo WhatsApp, com os rapazes referente aos casos amorosos mantidos com ambos”.

Para o promotor do caso, Cássio Sartori, em entrevista ao jornal, a prisão foi arbitrária e abusiva. Isto porque quem deve apontar acusados neste caso é o Ministério Público, titular da ação, que a considerava apenas uma mera testemunha e em nenhum momento a apontou como suspeita. “Quando o MP recebeu o inquérito policial sobre o homicídio, denunciou quem achava que era o autor, conforme as provas produzidas na investigação policial”, comentou o promotor.

“A suposta instigação que Elyse teria feito para causar ciúme foi uma situação de relacionamento, reprovável apenas sob o ponto de vista moral. A opinião do juiz sobre o comportamento ético e moral alheio não pode fundamentar uma prisão”, esclareceu.

“Eu não sou uma criminosa. Eu apenas me envolvi com dois homens e estou pagando por falar a verdade, porque em hipótese nenhuma menti. (…) Nem no meu pior pesadelo, imaginei que isso [o crime] aconteceria”, desabafou Elyse em entrevista ao jornal a A Tribuna de Santos.

De acordo com o advogado criminalista Rodrigo Felberg, sócio do escritório Hartmann e Felberg Advogados Associados, questões subjetivas ou julgamentos de ordem do comportamento de uma pessoa não devem, em nenhuma hipótese, afetar um julgamento ou influenciar no pedido de prisão preventiva. “A questão do ciúme, se ele é ou não questionável do ponto de vista moral, é algo completamente dissociado da eventual condição de partícipe do crime”, comenta o especialista, que ainda explica só haver possibilidade de dizer que a pessoa participou de um crime se comprovadamente mostrarem que ela teve intenção de provocar o ciúme com o objetivo de que o outro cometesse o crime. “Aparentemente esse não é o caso”, completou.

“Cabe ao judiciário decidir com fundamento na lei e não a partir de critérios éticos ou morais. Pois esses são subjetivos, variáveis e de cunho estritamente pessoal. Tem gente que pode achar imoral uma mulher estar com dois homens, mas outras pessoas não. Isso é uma questão subjetiva e pessoal”, reforça Felberg.

Além de um juiz não poder levar em consideração valores morais, como foi feito no caso de Elyse, o especialista ainda explica que não havia motivo para pedir a prisão dela. “Prisão é uma medida absolutamente excepcional. Prisão provisória antes do trânsito é mais excepcional ainda. Portanto, ela só pode ser decretada em último caso, com critérios absolutamente objetivos, considerando o caso concreto”, explica o advogado.

No caso da Baixada Santista, Elyse não poderia ser presa não só porque julgamentos morais são inválidos para a Justiça, mas também porque era testemunha. “Ela não é ré em ação penal. A prisão preventiva nesses casos só poderia ter sido decretada se houvesse um inquérito policial apurando a responsabilidade dela, e desde que houvesse representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público”, coloca o especialista.

E se fosse um homem?

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Considerando, portanto, que o juiz não poderia ter pedido a prisão de Elyse por ela não ser ré e ainda menos baseado em julgamentos subjetivos e morais, é inevitável não questionar: será que se o caso tivesse como pivô um homem que manteve relações com duas mulheres – prática bem mais aceita na sociedade – e uma tivesse matado a outra por ciúmes, o juiz teria pedido sua prisão justificando que ele causou “séria perturbação” e feriu “valores morais como: família, fidelidade, liberdade e responsabilidade”?

Acolhimento da mulher