Violências sofridas por Klara Castanho geraram indignação e doeram em cada um de nós

por | jun 27, 2022 | Empoderamento

Klara Castanho compartilhou um relato doloroso que sensibilizou a todos e trouxe à tona revolta e indignação no último fim de semana. A atriz de 21 anos, que sofreu violência sexual, teve seu caso exposto contra sua vontade por quebra de sigilo de equipes de saúde e vazamento de notícias em portais de entretenimento.

O caso repercutiu pelas redes sociais e tomou os noticiários nacionais, forçando a jovem a fazer uma declaração pública sobre o trauma que enfrenta. Entenda as repercussões do assunto e quais medidas estão sendo tomadas sobre o caso.

Klara Castanho relata violência sexual

Klara Castanho publicou uma carta aberta relatando um estupro sofrido, em meio à repercussão midiática sobre o caso, que até então, estava mantido em família.

No relato, Klara revelou que o objetivo da declaração foi desmentir “pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma” que sofreu. A atriz lamentou ter que expor um fato tão íntimo e doloroso. “Relembrar esse episódio traz uma sensação de morte, porque algo morreu em mim”.

“Estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu”, começou Klara.

A atriz revelou ter feito exames e tomado a pílula do dia seguinte, dizendo que tentou seguir em frente e trabalhar, esquecer o crime vivido. “Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma sombra apoderar-se de mim. Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido antes”.

Entrega voluntária após descobrir gravidez

No relato, Klara descreveu que começou a passar mal meses após o ocorrido e ao investigar a causa, descobriu uma gravidez, fruto da violência sexual. “Eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Foi um choque. Meu mundo caiu”, desabafou. Klara não teve alterações no ciclo menstrual, nem ganho de peso ou barriga.

Em meio ao turbilhão de informações, a atriz resolveu entregar a criança para adoção, recorrendo aos mecanismos legais que asseguravam essa decisão . “Eu ainda estava tentando juntar os cacos quando tive que lidar com a informação de ter um bebê. Um bebê fruto de uma violência que me destruiu como mulher (…). Entre o momento que eu soube da gravidez e o parto se passaram poucos dias. Era demais para processar, para aceitar e tomei a atitude que eu considero mais digna e humana. Eu procurei uma advogada e conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer uma entrega direta para adoção“.

A notícia estava em sigilo, mas veio a público após exposição midiática. Klara ressaltou que está amparada pela família, cuidando da saúde, e que espera compreensão e privacidade nesse momento. “Espero que, ao menos, tudo o que me aconteceu sirva para que mulheres e meninas não se sintam culpadas ou envergonhadas pelas violências que elas sofrem. Entregar uma criança em adoção não é um crime, é um ato supremo de cuidado”.

Confira a carta aberta publicada por Klara Castanho, na íntegra.

Conduta

antiética da equipe médica

Em meio à repercussão do caso, a fonte original do vazamento da notícia tem sido procurada para prestar esclarecimentos. Na carta de Klara, a atriz relatou que durante o nascimento da criança, ainda sob efeitos de anestesia, foi abordada por uma enfermeira que ameaçou vazar a história para a imprensa.

No relato, Klara escreve: “A enfermeira que estava na sala de cirurgia fez perguntas e ameaçou: ‘imagina se tal colunista descobre essa história’. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista”.

Segundo informações no site do Senado Federal, o Conselho Federal de Enfermagem, o Conselho Regional de Enfermagem e o hospital onde Klara ficou internada informaram que “vão apurar a denúncia de que uma enfermeira ameaçou divulgar a história”.

Além do vazamento do sigilo médico, Klara menciona a conduta antiética do médico que a atendeu, dizendo que quando revelou ter sofrido violência sexual, o médico a “obrigou a ouvir o coração da criança e disse que 50% do DNA eram meus e seria obrigada a amá-lo”.

Exposição

irresponsável da imprensa

Após a informação ter sido passada, o caso chegou a público por meio do jornalista Matheus Baldi, que revelou data do nascimento e sexo da criança (informações que não serão republicadas aqui). A pedido da atriz, o post foi apagado, mas a notícia se espalhou rapidamente.

Na última quinta-feira (23), a apresentadora Antônia Fontenelle incitou mais comentários sobre o caso em uma live onde, “sem citar nomes”, dizia que “uma atriz de 21 anos” teria dado um bebê para adoção.

Depois da exposição, contra sua vontade, Klara se manifestou sobre o assunto através da carta aberta. Após o relato, o colunista Leo Dias, do portal Metrópoles, divulgou uma matéria detalhando o caso, expondo todo o processo traumático pelo qual Klara teria passado.

Após a repercussão de solidariedade à Klara, Leo Dias fez um pedido de desculpas público em seu Instagram e no site Metrópoles dizendo que “não deveria ter escrito nenhuma linha sobre essa história” ou opinado sobre o assunto.

A diretora de redação do Metrópoles publicou uma nota pelo Twitter esclarecendo que o site expôs “de forma inaceitável” o caso e que a matéria foi tirada do ar. Ela alegou estar “fora do ar por algumas horas” enquanto a matéria teria sido publicada.

Antônia Fontenelle publicou no sábado (25) um texto que gerou debates fervorosos entre o público. No pronunciamento, Fontenelle escreveu que “assume” seus “B.O.s”, referindo-se aos filhos que teve. Ela escreveu: “Parir uma criança e não querer ver e mandar desovar por acaso é crime, sim, só acha bonitinho essa história de adoção quem nunca foi em um abrigo, ademais quando se trata de uma criança negra. O nome disso é abandono de incapaz”, postou a apresentadora, que também é pré-candidata a deputada federal pelo Republicanos (RJ). Após a repercussão, Fontenelle excluiu a postagem.

Entrega voluntária não é abandono de incapaz

O processo de entrega voluntária à adoção feito por Klara é totalmente legal, assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No processo, a mulher é ouvida e acompanhada por uma equipe técnica em processo sigiloso, visando proteger a mulher e a criança. Acompanhado e autorizado pelo Poder Judiciário, o processo encaminha a criança para adoção por pessoas inscritas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.

Segundo o ECA, a mulher pode escolher informar ou não o nome do pai, assim como manter o nascimento e todo o processo de adoção em sigilo. Com a decisão do juiz, que é o responsável pela decisão de entrega, a criança é encaminhada para acolhimento. A mãe biológica tem 10 dias para recorrer, após a audiência, caso mude de ideia.

O procedimento previsto no ECA garante que mulheres que não possam ou desejam ficar com os bebês os entreguem para adoção, resguardando que não sejam responsabilizadas pelo ato. “As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude”, afirma o texto no artigo 13, parágrafo primeiro, incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.

Na internet, muitos usuários se manifestaram sobre a fala de sábado de Fontenelle. No dia seguinte, a apresentadora afirmou ser contra a violência de mulheres e crianças e ofereceu ajuda a Klara. “Quero fazer o possível e o impossível para colocar esse estuprador na cadeia. Me deixe te ajudar. O seu relato que sofreu uma violência me veio agora”. Ela ainda destacou que não estava fazendo política ou “lacração”.

Fontenelle não pediu desculpas sobre a exposição do caso, mas escreveu que a reportagem do Fantástico deste domingo (26), onde é mencionada como uma das principais fontes de repercussão da notícia, foi “covarde” e que deveriam “capturar o verdadeiro vilão” da história, em referência ao agressor de Klara.

Famosos e fãs demonstram apoio a Klara Castanho

A carta de Klara ampliou uma rede de apoio e solidariedade a vítimas de abuso sexual, além de abrir margem para discussões sobre mudanças cabíveis que revertam as altas estatísticas de violência sexual. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, relativos à violência letal e sexual de meninas e mulheres no Brasil, 56.098 estupros, incluindo vulneráveis, foram registrados apenas contra o gênero feminino por todo o país. O número representa um crescimento de 3,7% em relação ao ano anterior. Entre março de 2020 e dezembro de 2021, 100.398 casos de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino foram registrados.

Enquanto alguns condenaram a conduta jornalística antiética dos profissionais responsáveis pelo vazamento da notícia, outros se ateram ao acolhimento da atriz e comentaram como ela foi exposta a várias violências, desde o estupro até a exposição de seu caso, contra sua vontade, na internet e em rede nacional. Confira alguns dos comentários que repercutiram sobre o caso.

https://twitter.com/felipeneto/status/1540901479414136833?s=20&t=OCj_AwwHy3G7sD5qCXBvlw

A denúncia de casos de violência contra a mulher pode ser feita, de forma sigilosa e segura, pela linha 180 da Central de Atendimento à Mulher. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, em todo o território nacional.