Hoje, a maioria das pessoas desse mundo é jovem. Ora, como assim? Tudo bem, a expectativa de vida vem aumentando, o que também faz crescer a fatia idosa da população. Mas a juventude de que estamos falando não é aquela medida pela passagem das primaveras. Trata-se não da juventude do corpo, mas sim de estado de espírito e de comportamento. Basta olharmos ao redor para acharmos cinquentões frequentando academias, mães compartilhando roupas com as filhas adolescentes, avós esportistas e um monte de gente com 30 anos que ainda mora com os pais.
Esses exemplos são evidências de que a linha que divide a adolescência da fase adulta está cada vez mais tênue. Essa tendência, que vem sendo bastante analisada e discutida por estudiosos, já foi batizada com o nome de adultescência. Uns a vêem com olhos preocupados, alegando que os adultescentes são pessoas com dificuldade de aceitar que a juventude já se foi. Outros acreditam que manter uma essência adolescente não só é benéfico como essencial para viver em bem-estar e se adaptar às mudanças que ocorrem com tanta rapidez na sociedade pós-moderna.
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Mudanças sócio-comportamentais
Hoje conseguimos, sem grandes dificuldades, identificar adultos que se comportam como adolescentes e jovens. É sinal de que mudanças significativas ocorreram na sociedade. “Um fator que contribuiu para o surgimento do fenômeno da adultescência foi a valorização da juventude e tudo que a ela é associado como inovações tecnológicas, esportes, diversão etc. Em segundo lugar, temos a necessidade de maior aprimoramento nos estudos e as dificuldades do mercado de trabalho. É cada vez mais tardia a independência econômica, o que faz com que muitos jovens adultos permaneçam dependentes dos pais, principalmente nas classes sociais mais elevadas”, esclarece a psicanalista Priscila Gaspar.
Maria Clara D. se formou em Medicina, se especializou em dermatologia, é médica do Corpo de Bombeiros, atende em duas clínicas, tem 28 anos e… mora com os pais. Apesar de já ganhar muito mais que a maioria dos brasileiros, para ela não é o bastante. “Ainda não saí da casa deles por uma questão de insatisfação econômica. Tudo bem que conseguiria me manter com o meu trabalho, mas não com todo o conforto com que estou acostumada”, revela Maria Clara, que namora há dois anos outro jovem adulto, um rapaz de 25 anos, engenheiro contratado da Petrobras e que também não pretende sair da casa da mãe dele.
“A gente tem planos de casar, mas acredito que não nos próximos dois anos. Quem sabe daqui a três?”, estipula a dermatologista, cuja família não se importa com a dependência prolongada da filha. “Meu pai adora, quer mais é que eu fique morando aqui um bom tempo. Acho que hoje em dia isso é natural. A gente demora muito tempo para se formar. Eu fiz seis anos de faculdade, mais quatro de residência. São dez anos de formação! O que me faz entrar no mercado com 27 anos de idade”, analisa Maria Clara.
Eternos estudantes
O mercado acirrado e as constantes inovações a que os profissionais precisam se adaptar contribuem para que os adultos demorem a construir uma família. Para o psicólogo Carlos Bein, esse contexto transforma os profissionais em eternos estudantes. “Hoje há setores muito saturados de profissionais, o que, junto com as oscilações do mercado, faz aumentar o tempo até conseguir o primeiro emprego. Aliás, o ritmo acelerado na renovação das técnicas faz com que um profissional continue dependendo dos centros de ensino, de modo que o papel de estudante se conserva para toda a vida”, explica.
Além disso, Carlos Bein assinala que, em outras culturas e épocas, havia rituais de passagem da infância para a idade adulta que delimitavam claramente o comportamento em cada um dessas fases. “Se nessas sociedades a transição era curta, na nossa parece prolongar-se indefinidamente, sendo mais ambígua e relativa. Talvez por estarmos passando para um modelo social onde o Estado adota cada vez mais funções que antes eram responsabilidades do cidadão. O âmbito de decisão de um adulto está cada vez mais limitado pelo Estado, que de algum modo se transforma em pai dos cidadãos. Este é um paradoxo da nossa sociedade, composta por indivíduos, em teoria, livres. Isso facilita a ‘adultescencialização’ do cidadão”, constata o psicólogo.