Casamento de fachada

Eles fazem sucesso nas tramas das novelas, volta e meia surgem nos roteiros de filmes e também não escapam das páginas literárias. Se é a arte que imita a vida ou a vida que imita a arte, não vem ao caso. O fato é que os casamentos de fachada continuam sendo uma realidade, mesmo em tempos em que as mulheres conquistam, cada vez mais, o mercado de trabalho e a separação já não é um bicho-de-sete-cabeças. Seja para manter a estrutura familiar, por causa da dependência financeira ou “simplesmente” pela dificuldade de mudar e enfrentar um mundo completamente novo. Sem dúvida, manter um casamento de fachada não faz parte do sonho de ninguém. Mas, para muitos casais, ele acaba sendo a solução – pelo menos até chegar a hora certa.

Rotina… Aquela tal que é um balde de água fria na vida – antes caliente – do casal. É comum, depois de anos, os parceiros perceberem que as duas únicas coisas que os une é o teto e os filhos. Quando o amor não dura até que a morte os separe, ocorre de o casal não dividir mais a cama – os carinhos, planos, confidências… A jornalista Michele Rodrigues conta que seus sogros viveram um casamento de fachada durante um bom tempo. “Eles viviam juntos, mas há muitos anos não tinham nada a ver. Filosofias, formas de se relacionar com os filhos e de agir distintas”, conta. Apesar de não estarem conectados, nenhuma grande força os separava. “Eles foram levando, porque um não tinha de que acusar o outro. Mas era ela que tinha mais noção de que o amor tinha acabado”, acredita. Até que… “Ele se apaixonou por outra. Minha sogra levou um susto e bateu um drama de consciência: ‘eu estava infeliz, mas agüentei tanto tempo e agora ele fez isso!’. Ela sentiu o quanto tinha perdido tempo e oportunidades”, explica Michele. No início foi doloroso, mas a separação significou uma verdadeira revolução. “Ela virou outra mulher! Antes era dependente, dondoca. Ela, que nunca tinha trabalhado, hoje se vira, faz mil coisas, vive sozinha e bem”, garante Michele.

Falar é fácil, só que dar fim a uma situação que persiste pode exigir um esforço que vai além da capacidade da pessoa. A médica Rosângela D., de 54 anos, já se separou do marido no papel. Que os dois não se amavam mais era fato. Entretanto, por circunstâncias da vida, muitos outros problemas fizeram com que ela aceitasse que o ex-marido continuasse morando na mesma casa. Quem conta essa história é a irmã de Rosângela, Angélica. ”Minha irmã nem é casada, nem deixa de ser. É a coisa mais complicada”, diz. O caso de Rosângela é um exemplo de que as mulheres, definitivamente, conquistaram a independência financeira: “O marido dela não paga uma conta e, até por causa disso, vive deprimido”, explica. Os familiares e conhecidos sabem que a relação deles é ruim, entretanto, não têm noção da gravidade do problema. “O desejo dela é que ele saia de casa. Mas ela diz que não agüentaria a culpa, caso ele fosse embora e ficasse muito mal. Isso prende ela demais”, conta Angélica.

Casamentos de fachada têm na sua essência algo que deve ser mantido em segredo, e que, portanto, não é sincero e verdadeiro. Segundo a terapeuta de família Norma Emiliano, propagar esse segredo pode ser bastante prejudicial, não só para o casal, como para toda a família. “Manter essa coisa velada, que não é aceita, não é saudável. O segredo fica minando a família e confunde a cabeça dos filhos”, esclarece. Angélica acha que o fato de três dos quatro filhos de Rosângela terem saído de casa muito cedo tem muito a ver com a complicada relação dos pais. “Eles não conseguiram ficar do lado deles muito tempo e acabaram saindo de perto. O problema dos pais era um problema para eles também, causava constrangimento”, acredita.

Filhos lidando bem com o fato de os pais serem casados somente entre aspas não é impossível. Mas certamente não é numa casa em que pai e mãe vivem em pé de guerra que isso acontece. Para a terapeuta Norma, é um erro o casal que está sempre em conflito, discutindo e brigando, tentar se manter por causa da família. “O clima familiar é muito importante. Quando as brigas são constantes, o que está sendo transmitido para os filhos não é amor, é desamor. Eles não conseguem estudar, nem prestar atenção naquilo que é da idade deles, porque ficam preocupados com os pais. É melhor que o casal se separe, nesse sentido de deixar a casa em clima de paz”, diz Norma, admitindo que existem casais “não casados” que vivem de forma fraterna, que se mantêm devido a cumplicidade.

Na casa do estudante Vitor Sousa, de 23 anos, mãe e pai dormem em camas separadas. Quem não sabe disso jura que eles levam uma vida de casal normal, com sexo e tudo. Vitor conta que teve uma época em que seus pais brigavam. “Meu pai começou a chegar tarde do trabalho. Minha mãe encheu o saco disso e a rotina também ajudou a esfriar a relação. Aí começou a história de separação. Ela queria, mas ele lutou para que não, porque, acima de tudo, meu pai valoriza muito a família” diz ele. O pai de Vitor foi tão persistente que, depois de um tempo, a mãe deu o braço a torcer e aceitou não se separar. “O meu pai gosta da minha mãe como companheira e como mulher. E ela, hoje em dia, gosta dele como companheiro”, acredita Vitor, frisando que prefere mil vezes que os pais estejam juntos. “Eles saem juntos, se divertem, eu chego em casa e os dois estão numa boa. Ficou a amizade e o respeito. Eles têm uma família e querem continuar juntos. Eu vejo que eles são felizes”, acredita.

É com o exemplo dos pais que os filhos aprendem o papel do homem e da mulher. Eles são os modelos de figura masculina e feminina. É por isso que, quando as crianças são pequenas, a convivência com os pais que realmente mantém relações íntimas – que não só tenham o título, mas ajam como marido e mulher – é importante. “Numa etapa de criação, quando os filhos estão desenvolvendo a personalidade, os modelos de homem e mulher fazem falta. Mas quando os filhos já são crescidos e vivem a própria vida, isso deixa de ser um grande problema. Mais importante para eles será conviver em um ambiente familiar harmonioso, confortável, sem conflitos e brigas”, conclui Norma.

Como vive se dizendo por aí, cada caso é um caso. Com os casamentos de fachada não é diferente. Apesar da carga pejorativa do termo, ficou comprovado que os chamados casamentos de fachada podem ir dos mais destrutíveis aos perfeitamente plausíveis e até, quem sabe?, saudáveis. Por isso, não há motivo para sair por aí atirando pedra contra quem é casado sem ser. Melhor é aproveitar o tempo para escolher cuidadosamente o pretendente, para que no futuro – bate na madeira! – você não precise nem se separar, muito menos escolher entre a família, de um lado, e a felicidade no amor, do outro.