Trinta anos da Lei do Divórcio. Há motivo para comemoração? Sem dúvida, a resposta é sim. A Lei do Divórcio chegou em 26 dezembro de 1977, quase como um presente de Natal, afinal era o reconhecimento do Estado brasileiro a um novo modelo de família já acolhido pela sociedade: o amor e a nova família renascidos por uma nova união quando a anterior fracassara.
Assim, transcorreu um quarto de século até o advento da Lei Civil de 2002, quando então, nova norma de família (artigo 1.704 e parágrafo único do CCB/2002) neutralizou a grande conquista da lei do divórcio: a possibilidade legal de dissolver definitivamente os vínculos do matrimônio.
Para compreender o atual imbróglio na situação das relações entre os gêneros, é oportuno recordar um pouco do passado. O caminho percorrido pela humanidade em direção ao amor conjugal como é hoje entendido (casamento por amor) foi muito lenta. Vale recordar que, desde a antiguidade até a fase medieval européia, o amor sexual era idéia inerente ao adultério. Por outro lado, o casamento nada tinha a ver com inclinação subjetiva, sentimento, restringia-se a um dever objetivo, um contrato indissolúvel que, para a mulher, continha a obrigação da monogamia e submissão ao poder marital (modelo patriarcal).
Para começar o terceiro milênio, uma nova lei de família determina a obrigação de pensionar o ex-cônjuge, em qualquer tempo no futuro, se este, por eventual azar da vida “vier a necessitar”
Depois, mais ou menos ao mesmo tempo da chegada das caravelas de Cabral à nossa costa marítima, reuniu-se o Concílio de Trento o qual, entre outras deliberações, atribuiu ao matrimônio o status de sacramento. Assim, a partir do matrimônio sacralizado, a sexualidade restou confinada à conjugalidade, tanto que o concubinato era penalizado com a
excomunhão.
No século XIX é que o Estado (Código de Napoleão), através da lei, ordenou com regras rígidas as relações familiares. É bem verdade que este modelo estatal, laico, de casamento indissolúvel, adotado depois por grande parte dos países europeus e colônias não fez desaparecer as uniões livres. No século XX, diante das aceleradas mudanças sociais e científicas, as uniões informais alcançaram também a burguesia e então, tornaram-se um fato social não somente tolerado, como aceito.
Neste momento da história do progresso científico e tecnológico, da economia capitalista globalizada, a conquista da ciência sobre o controle da fertilidade humana talvez tenha provocado o fato social mais impactante do século passado: a revolução sexual. Esta conquista transformou radicalmente o modo de viver – e até de sentir – das pessoas, sendo o festival de Woodstok sua representação mais emblemática. Enfim, a humanidade logrou a concretização do amor independizado de sua conseqüência biológica: a reprodução.
Assim, quando uma década mais tarde a lei brasileira desatou os laços indissolúveis do casamento, nada mais fez do que legitimar um anseio da sociedade brasileira. Passaram-se então 25 anos, período em que nós os brasileiros, parece, éramos felizes e não sabíamos… Para começar o terceiro milênio, uma nova lei de família determina a obrigação de pensionar o ex-cônjuge, em qualquer tempo no futuro, se este, por eventual azar da vida ” vier a necessitar“, mesmo se considerado culpado na separação.
Traduzindo na prática, esta nova regra jurídica voltou atrás e determinou a indissolubilidade do efeito do casamento (obrigação vitalícia de pensão). Trata-se de absurdo jurídico (desfaz o casamento, mas permanece o efeito), retrocesso legal e ainda, agravamento dos efeitos do casamento, criando possibilidades absurdas como vir a pensionar vários ex-cônjuges. E mais: ex-cônjuge inocente ser obrigado a pensionar vários ex-cônjuges culpados pela separação!