Moda é moda

É incrível como algumas comidas entram e saem de moda. Na semana passada, por exemplo, eu falei no estrogonofe, que depois de viver tempos de luxo e glamour até o começo dos anos oitenta, caiu no mais cruel esquecimento. Não que a gente não continue a comer – e a gostar – mas é cada vez mais raro hoje em dia ir a um lugar (uma festa, reunião, batizado…) e encontrar estrogonofe no cardápio.

Outro must de toda festa chiquérrima do passado era o opulento coquetel de camarão, servido em taça gelada, de boca ampla. O charme era manter o rabinho do bicho para poder mergulhá-lo delicadamente no molho rosé, de preferência com o dedo mindinho levantado. Também caiu no esquecimento, o pobre.

Os bons botecos e restaurantes nos surpreendem com os pratos tipicamente nossos, que comíamos na casa das nossas avós, como picadinho, tutu, carne seca com abóbora e por aí vai

No quesito bebidas, quem não se lembra da Cuba Libre, do Martini Bianco e, mais recentemente, do Kir Royal? Mulher chique que se prezasse, fazia questão de molhar o bico com a rosada mistura de champanhe e creme de cassis sempre que possível.

E por falar em creme de cassis, sobremesas também saem de moda. Há não muito tempo, o creme de papaia com cassis reinava absoluto em dez entre dez mesas elegantíssimas. E não havia madame preocupada com a forma que não pedisse um ao final da refeição, alegando que era “digestivo”, sabe?

Hoje, estamos vivendo um interessante resgate das nossas raízes e tradições culinárias, coisa que eu acho muito boa. Brasileiro, por algum motivo obscuro, demorou centenas de anos para aprender a valorizar suas origens. Excetuando a feijoada, que há décadas freqüenta as boas mesas do ramo, a gente só sabia impressionar com comidas gringas. Agora, os bons botecos e restaurantes nos surpreendem com os pratos tipicamente nossos, que comíamos na casa das nossas avós, como picadinho, tutu, carne seca com abóbora e por aí vai.

Até os restaurantes mais sofisticados estão enfiando as mãos – e as colheres de pau – nas nossas raízes brasileiras. Outro dia mesmo, encontrei na lista de entradas de um cardápio bacana, as opções ” carpaccio de pupunha” e “tapioca com coulis de tomate-cereja”. Tá certo que coulis de tomate-cereja não é bem brasileiro, mas a tapioca e pupunha são, certo?

Nesse mesmo cardápio, uma das opções de sobremesa era pavê. Ah, pensei, há quanto tempo eu não vejo pavê em um restaurante. Aliás, que saudade de pavê! Fui pra casa e passei diretamente para a cozinha em busca do meu livro de receitas de sobremesas. Ali estavam eles, uma dúzia de pavês lindos, deliciosos, hipercalóricos, que minha avó fazia no maior capricho para enfeitar as sobremesas dos nossos fins de semana. Hoje, vou dividir um deles com vocês. Não é sobremesa para todo dia, mas de vez em quando, quem não peca, não é mesmo?

Pavê Bêbado de Morangos com Chocolate (bêbado, porque vai conhaque, mas é só um pouquinho. Se não quiser, não ponha, mas eu recomendo)

Base:

1 pacote de biscoito champanhe ou inglês

Conhaque

Leite frio

Creme:

1 lata de leite condensado

2 latas de leite de vaca

3 gemas

1 colher de sopa de amido de milho

Meio:

1/2 kg de morangos mais ou menos do mesmo tamanho, cortados ao meio.

Fim:

250 g de chocolate ao leite ou meio amargo, em barra

150 ml de creme de leite fresco ou em embalagem longa vida (não use creme de leite em lata, pelamor. Ele tem um sabor forte demais que vai brigar com TODOS os ingredientes do seu pavê.)

Comece pelo creme, que já deve estar morno na hora em que você for usar. Misture o leite condensado, o de vaca, as gemas e o amido de milho. Para evitar que as gemas formem aquelas bolotas que arruínam qualquer creme, bata ligeiramente com um mixer ou no liquidificador antes de cozinhar. Ponha tudo numa panela e cozinhe em fogo brando, mexendo até engrossar. Separe.

Forre um pirex com os biscoitos embebidos em leite com conhaque. A proporção é por sua conta: uma xícara de leite e uma colher (sopa) de conhaque, o contrário disso (que é mais o meu estilo), ou qualquer combinação intermediária que faça sentido para você. Se não gosta de conhaque, não ponha nada e pronto. Eu acho uma pena, mas o pavê é seu e não meu.

Se o leite estiver morno, é mais fácil embeber os biscoitos. Só não se distraia muito aqui porque se os biscoitos ficarem moles demais, vai ser impossível tirá-los do leite. Na minha casa, em vez de um pirex baixo, eu uso um quadrado alto que tenho, parecido com um aquário e faço váááárias camadas. Fica lindo. Também já montei essa sobremesa em potinhos transparentes, individuais. Foi um sucesso.

Distribua o creme com cuidado por cima dos biscoitos.

Lave os morangos, enxugue bem, corte os cabinhos, corte-os ao meio e distribua organizadamente por cima do creme, com a parte reta voltada para baixo. Se quiser simplesmente jogar os morangos em cima do creme, problema seu, mas vai ficar feio, já vou avisando.

Por fim, pique e derreta o chocolate em banho-maria. Quando tiver derretido, tire do fogo e coloque o creme de leite aos poucos. Nessa hora, dá um certo desespero, porque parece que a receita vai desandar, que o creme de leite nunca vai incorporar e que o chocolate vai endurecer de vez, mas acaba dando. É só ter um pouco de paciência. Seu objetivo é fazer um creme de chocolate com uma consistência um pouco mais fluida que a de doce de leite.

Termine colocando o creme de chocolate sobre os morangos, com cuidado para “selar” bem nas beiradas (esse procedimento simples evita que o líquido que os morangos eventualmente rendem suba e destrua a boa aparência do seu creme de chocolate. Cubra o conjunto da obra com um filme plástico transparente e leve à geladeira por pelo menos três horas. Se quiser, na hora de servir, decore com alguns morangos inteiros.