Mariana não sentiu nenhum remorso quando pegou o trabalho de ciências do irmão, Gustavo, e o destruiu inteirinho. No dia seguinte aconteceria a Feira de Ciências na escola e o irmão, estudioso e popular entre os colegas, comandaria um estande sobre aviões. Enciumada, ela nem pensou duas vezes antes de estragar todas as maquetes, derrubando, “sem querer”, seus livros escolares sobre elas. Mesmo levando uma bela bronca e ficando de castigo por uma semana, ela não escondeu a satisfação ao ver o irmão, desesperado, olhar para o trabalho perdido. A inveja que ela sentia do irmão mais velho era mais forte e tudo o que queria era que ele perdesse a chance de brilhar mais uma vez.
Ficção? Nada disso. Aconteceu na vida da estudante Mariana Fernandes, que hoje tem 23 anos e um arrependimento do tamanho do mundo. “Meu irmão era superpaparicado pela minha família. Era considerado o mais inteligente, o mais bonito, o mais alegre, o mais tudo. Já eu era tímida, fechada, mais na minha. Não que eu não fosse capaz, que não fosse inteligente. Eu só não suportava toda aquela atenção que davam para o Gustavo. Ele não era uma pessoa, era um evento”, critica. Essa inveja do sucesso do irmão, que se estendeu por alguns anos, hoje não existe mais. “Tive de fazer terapia, mas hoje me dou muito mais valor”, assume ela.
É, mas nem sempre os sentimentos são tão claramente demonstrados, como foi o caso da jornalista Letícia Ribeiro. Da infância até a adolescência, ela teve de segurar a onda para não demonstrar que invejava a irmã. “Ela era mais bonita, mais magra e fazia o maior sucesso entre os amigos e os namorados. Eu me olhava no espelho e ficava me comparando a ela, crente de que eu não era nada perto dela. Eu chegava a sonhar que ela estava bem feia e gorda e eu, maravilhosa”, relembra, entre risos. Letícia escondeu os sentimentos durante anos, até que um dia, numa briga feia, resolveu soltar o verbo. “Falei tudo o que pensava a respeito dela, não deixei escapar nada, porque eu estava com muita raiva. Ela ficou tão assustada que começou a chorar. Depois daquele dia, conversamos muito e nossa relação melhorou bastante. Tem vezes em que ainda sinto uma pontinha de inveja, porque ela continua sendo bem popular, mas não fico mais remoendo nada”, admite.
Já com a fotógrafa Vivian de Souza, a inveja quase a levou a uma crise de stress. “Minha irmã mais nova tirava sempre notas altíssimas. Eu era um pouco mais preguiçosa, mas boa aluna. Meus pais resolveram, pensando que assim me fariam estudar mais, criar uma competição entre nós: quem tirasse notas maiores ganharia um presente, à nossa escolha, no final do bimestre. Virou uma disputa feroz, eu querendo superar minha irmã a qualquer custo. Como ela sempre se saía melhor e era elogiadíssima pela minha família, fui ficando com uma inveja danada. Me acabei de estudar, ficava altas horas acordada com a cara nos livros, só para poder ter a chance de ter a atenção que ela recebia quando vinham as notas. Foi só depois que passei mal na escola, de tão nervosa, é que acabou essa palhaçada”, relembra. “Mesmo assim, ainda fiquei um bom tempo remoendo essa história”.
Educando o sentimento
Há dois tipos de inveja. Uma é a negativa, que leva o indivíduo a destruir as conquistas do outro, como aconteceu com Mariana. A outra, social e profissionalmente aceita – ainda que de forma velada –, é a positiva, que não visa destruir nada nem ninguém. “É natural a criança querer um brinquedo igual ao do amigo, uma casa como a do vizinho ou um celular tão lindo como o daquela prima antipática. A partir do sucesso do outro, nos damos conta de como gostaríamos de ter o mesmo para nós. Desta forma, a inveja serve como modelo e inspiração, sem efeitos colaterais”, explica a psicóloga infantil e psicopedagoga Giselle Nunes Salgado de Melo. Em geral, segundo ela, quem inveja não se dá conta do que sente: o que passa pela cabeça é que está sendo injustiçado, que seu talento e qualidades não são reconhecidos ou ainda que algumas forças misteriosas trabalham em função do sucesso do outro.
Pois é, não é fácil conviver com a sensação de estarmos sendo passadas para trás por alguém da nossa própria família. Ao longo da vida, mesmo sem perceber, a gente vai acumulando experiências que podem estimular ou atenuar o sentimento de estar sendo abandonado ou trocado por outra coisa ou alguém. “Apesar de esse sentimento ser comum a todos os seres humanos, em maior ou menor grau, não é fácil reconhecê-lo intimamente, menos ainda admiti-lo diante dos outros. E isso acontece muito entre irmãos. É só lembrar da história de Caim e Abel, quando o primeiro matou o segundo por causa de inveja. Em ambientes onde existem alta competitividade e políticas de premiação, ela pode ser tornar um vírus perigoso”, comenta Giselle.
Quando os pais adotam essa tática como modelo educacional, da mesma forma que aconteceu com Vivian, estão correndo o risco de incentivar ainda mais o sentimento de cobiça. “Cabe aos responsáveis estarem sempre atentos ao motivo que os leva a premiar um filho e não compará-los, pois eles são seres humanos únicos e diferentes. Mas a inveja pode ser alimentada em qualquer ambiente social que a criança freqüente. A responsabilidade dos pais, diante disso, é de saber canalizar esse sentimento de forma positiva”, orienta. Como? “Ensinando o filho a transformar a inveja em algo saudável, como estímulo para alcançar o que deseja. Caso contrário, a criança que sente inveja pode ser tornar uma pessoa amarga, rancorosa e mal-humorada”, alerta a psicóloga.