Hiperatividade infantil

Criança levada” é praticamente uma redundância. Porque preocupados os pais deveriam ficar se seus filhos fossem calmíssimos, não gostassem de correr, pular, bagunçar, fuxicar, se sujar, enfim, pintar o sete. Mas a energia de alguns pinguinhos de gente parece passar da medida. Mães se descabelando ao tentar colocar um freio nos filhos, que parecem estar ligados na tomada 24 horas por dia, não é uma cena rara. Os motivos para esse temperamento tão agitado e impulsivo é que variam muito.

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A hiperatividade, termo que tem se popularizado, não é simplesmente um adjetivo que pode ser usado quando se fala de qualquer criança muito levada e eufórica. A hiperatividade é um sintoma do transtorno comportamental de maior incidência na infância e adolescência: o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). “O TDAH é muito freqüente. Segundo estudos da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e da Associação Psiquiátrica Americana, esse transtorno está presente em 5% da população em idade escolar. Trata-se de uma síndrome caracterizada basicamente por três sintomas: déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade”, explica o psiquiatra infantil Gustavo Teixeira, autor do livro “Transtornos comportamentais na infância e adolescência” (Editora Rubio).

Em alguns casos, a criança só apresenta os sintomas em casa, mas na escola os professores a consideram ótima. Aí já é sinal de que a fonte do problema não é o TDAH. Ninguém é hipertenso, por exemplo, só no trabalho

Saber identificar se o temperamento hiperativo é realmente fruto do TDAH é o xis da questão. A avaliação tem que ser extremamente cuidadosa, e o diagnóstico, criterioso. “Não existem exames que detectem o TDAH. O diagnóstico é clínico e deve ser feito, preferencialmente, por um médico psiquiatra especializado em infância e adolescência”, frisa Dr. Gustavo. Nesse caso, o trabalho do psiquiatra se assemelha ao de um detetive. “Primeiro eu faço uma avaliação só com os pais. Só numa segunda consulta é que vejo a criança. Além disso, é preciso pedir uma avaliação da escola. Quanto mais dados coletados, melhor. Se houver outros profissionais envolvidos com a criança, a professora de reforço, por exemplo, e até mesmo outros familiares, como a avó ou a tia, é interessante ouvi-los”, acrescenta.

Como reconhecer o TDAH?

Além de toda essa investigação com familiares, professores e a própria criança, o psiquiatra faz uso de critérios oficiais de diagnóstico. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, apresenta os sintomas e a freqüência com que eles devem aparecer para que se possa definir a existência do transtorno. A pessoa que sofre de TDAH pode ser do tipo desatento, do tipo hiperativo/impulsivo, ou ainda do tipo combinado, quando conjuga características dos dois grupos. A criança ou adolescente que sofre do tipo hiperativo/impulsivo deve apresentar pelo menos seis dessas características:

– dificuldade em permanecer sentada;

– inquietação, mexendo mãos e pés;

– corre sem destino (em adultos, sentimento de inquietação);

– dificuldade de fazer uma atividade quieta e em silêncio;

– fala excessivamente;

– responde a perguntas antes de elas serem formuladas;

– age como se fosse movida a motor;

– tem dificuldade de esperar a vez;

– interrompe conversas e se intromete.

Esses sintomas devem ser constantes e não estar limitados a uma situação apenas. “Em alguns casos, a criança só apresenta os sintomas em casa, mas na escola os professores a consideram ótima. Aí já é sinal de que a fonte do problema não é o TDAH. Ninguém é hipertenso, por exemplo, só no trabalho”, exemplifica o psiquiatra, admitindo que a característica de hiperatividade pode, sim, ser fruto de um ambiente mais agitado ou da falta de limites.

Outra condição para fechar o diagnóstico: é necessário que os sintomas realmente tragam prejuízo à vida do portador. “Uma criança ou adolescente com TDAH tem prejuízos na auto-estima, no desempenho acadêmico, no relacionamento social. Ela fica frustrada, os pais e professores também. Causa impacto em todo mundo. Quanto antes identificado o TDAH, mais eficiente o tratamento”, afirma Dr. Gustavo. “E existem ainda casos que simulam o quadro de TDAH, mas são outra coisa. Ás vezes identificamos numa criança que está indo mal na escola, que é mais agressiva e agitada, um quadro de retardo mental leve. Os professores não perceberam, nem os pais. Se eu tratar como TDAH, ela não vai melhorar. Também podemos encontrar esses mesmos sintomas numa criança com autismo infantil. Esses são alguns exemplos de diagnóstico diferencial. É importante sabermos afastar essas possibilidades”, frisa o psiquiatra.

O problema pode estar em casa

Difundir as características de um transtorno comportamental tão comum e que afeta tanto a vida de seus portadores é fundamental para que as pessoas que sofrem de TDAH usufruam de seu tratamento. Aliando os medicamentos à psicoterapia e a orientações aos pais e professores, se alcançam ótimos resultados, afirmam os especialistas.

Por outro lado, o fato de a “hiperatividade” ter se popularizado representa um certo perigo. Profissionais das áreas psicológica e médica reconhecem que existe, hoje em dia, um exagero em torno da hiperatividade. “É por isso que volto a frisar que o diagnóstico deve ser feito por um psiquiatra especializado em infância e adolescência. Caso os pais não conheçam nenhum, sugiro que procurem a associação psiquiátrica de seu estado”, orienta Gustavo Teixeira. Se algum médico afirmar que seu filho sofre de TDAH antes da terceira consulta e de ter colhido informações com a escola e com os parentes, desconfie!

O ritmo acelerado de seu rebento deve ter outras razões, e muito provavelmente está relacionado ao ambiente familiar e à sua rotina. Taxá-lo de hiperativo pode servir de desculpa para não questionar o que está errado na maneira de educá-lo. “Um perfil mais agitado não é sinônimo de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Uma criança pode exibir um nível de atividade basal intenso sem que isto lhe traga transtorno em sua vida cotidiana e/ou acadêmica. Uma criança que apresente este nível de atividade maior sem ser portadora de TDAH pode tê-lo em decorrência de uma série de fatores, até mesmo genéticos. E, neste caso, a educação oferecida pelos pais e o ritmo de vida da criança podem interferir. Como, por exemplo, uma rotina diária de várias atividades: ensino formal no colégio mais atividades extraclasse (desportivas ou não), sem um tempo de descanso ou ócio também necessário”, analisa a pediatra Maura Calixto. “Os pais devem atentar para a saúde mental de seus filhos, ou seja, ter o cuidado de não sobrecarregá-los”, alerta.

Quando o pediatra ouve dos pais a reclamação de que seu filho “não pára quieto”, é preciso investigar as causas – da mesma maneira que o psiquiatra faz para identificar o TDAH. “A orientação dada aos responsáveis varia de acordo com o problema específico, o qual inclusive pode não se encontrar na criança, e sim na dinâmica familiar. Tem-se que averiguar como é exatamente esse ‘não pára quieta’: se é uma constante ou não, se depende de alguma circunstância específica. As abordagens terapêuticas variam dependendo de cada caso. De qualquer forma, quando há uma queixa dos pais, a questão deve ser elucidada, pois sempre há um tipo de ajuda para cada tipo de problema”, ameniza Maura Calixto.

A falta de limites impostos pelos pais costuma ser um prato cheio para criar crianças que vivem a mil por hora, não conseguem permanecer sentadas, falam muito, alto e em momentos inoportunos. Proporcionar uma rotina estruturada é outra atitude a qual pai e mãe devem se deter. “A rotina auxilia a criança a se organizar. E os limites fazem com que ela não se sinta confusa, vislumbre um norte em sua vida, tendendo, assim, a ser mais segura e tranqüila”, finaliza Maura Calixto.