Liberdade e inconformidade

No último artigo, refletimos sobre a nossa indignação frente ao que consideramos como um mal, em oposição ao que julgamos como bem. Em continuação, sugiro pensarmos acerca do que nos deixa “inconformados”.

Num primeiro momento, muitas vezes ter um filho com alguma deficiência detona certo sentimento de inconformidade. Por que eu? O que eu fiz de errado? Não, não me conformo!!! Somente quando esse filho ganha um nome, uma história, é que esse sentimento começa a se dissipar. Uma vez estabelecido o vínculo, é possível se esquecer completamente de qualquer deficiência para enxergar apenas o nosso filho, a nossa filha que, como qualquer pessoa, tem defeitos e qualidades, dificuldades e habilidades.

Criar um filho com deficiência é abrir as portas de uma nova vida, cheia de possibilidades. É possibilitar uma vida mais digna para todos, uma vida na qual as diferenças possam ressaltar a insensatez da uniformidade

A construção desse caminho extrapola a forma padronizada que esperávamos inicialmente. Mas, esse percurso não é melhor nem pior do que qualquer outro.

A inconformidade quanto aos padrões esperados é extremamente positiva quando se rompe a “forma”, pré-estabelecida no imaginário cultural, de que deficiência é semelhante à tristeza ou infortúnio. Sair da fôrma, não se conformar, nos permite um mundo de possibilidades nunca antes aventadas.

Resignação e passividade diferenciam-se de adequação e flexibilidade. Sim, as “coisas” não saíram do jeito que você imaginava. Mas, e daí? Alguma vez os nossos esforços na implantação de nossos projetos correspondem, exatamente, à realidade?

Romper com padrões antigos faz parte do processo evolutivo do ser humano. Descobrir e criar novas formas de viver, de se relacionar, enriquecem a nossa maneira de ser e estar no mundo. Além disso, toda verdade absoluta engessa qualquer dúvida e, conseqüentemente, qualquer nova possibilidade de ver e ouvir.

Isso, não se conforme! Inconforme-se com o fato de que ter um filho com alguma deficiência seja uma clausura, uma prisão. Criar um filho com deficiência é abrir as portas de uma nova vida, cheia de possibilidades. É possibilitar uma vida mais digna para todos, uma vida na qual as diferenças possam ressaltar a insensatez da uniformidade.

Uma vida digna é vivida plenamente a partir de suas características individuais. Uma vida digna é uma vida na qual cada um tem a possibilidade de se expressar segundo seu próprio ser. Por isso, não dá pra se conformar.

O óbvio parece não ter lugar… Cada indivíduo só pode ser o que é. Então, que sejamos o melhor que pudermos ser, de acordo com nossas características. Portanto, desejo que nossos filhos possam ser o que já são. A nós, pais e mães, resta abandonar cada forma pré-estabelecida na beira da estrada e permitir que nossos filhos possam crescer (viver) “conforme” suas próprias características.

E quem garante que a história

É carroça abandonada

Numa beira da estrada

Ou numa estação inglória.

A história é um carro alegre

Cheio de um povo contente

Que atropela indiferente,

Todo aquele que a negue.

É um trem riscando trilhos,

Abrindo novos espaços,

Acenando muitos braços,

Balançando nossos filhos.

(Pablo Milanés)