Muito interessante o resultado de uma pesquisa realizada junto aos telespectadores sobre os personagens Bebel e Olavo da novela “Paraíso Tropical”, da TV Globo: dois vilões que vivem armando tramóias e maldades em benefício próprio. Segundo a pesquisa, grande parte dos telespectadores torce por um final feliz para eles. Final feliz?! Na tentativa de entender o resultado, somos levados a pensar que algumas características destes personagens agradam as pessoas a tal ponto de fazê-las esquecer, ignorar ou até mesmo perdoar suas atitudes cruéis e amorais. Abre-se com isso espaço para uma importante discussão: a inversão de valores morais e éticos. E nosso interesse aqui é refletir sobre como se dá a conquista da moral e da ética e qual o envolvimento da família neste processo.
O mundo pós-moderno traz em seu bojo a valorização de sucesso como conquista material, ou seja, a idéia de uma pessoa bem sucedida está diretamente ligada a riqueza, status ou poder, ficando dessa forma completamente desvinculada da condição de fazer escolhas morais. Portanto, os caminhos que levam ao alcance dessa idéia de sucesso não necessariamente precisam ser percorridos com honestidade, lealdade e respeito. Eis uma possível explicação para a torcida por Bebel e Olavo. A isso chamamos crise ou inversão de valores.
Fazer a coisa certa por sentir-se certo internamente, eis a marca registrada de uma pessoa moral
Por valores morais podemos entender que são juízos sobre as ações humanas que se baseiam em definições do que é o certo e o errado. Eles são imprescindíveis para que possamos guiar nossa compreensão do mundo e de nós mesmos e servem de parâmetros pelos quais fazemos escolhas e orientamos nossas ações.
A criança não forma valores morais por si só, é preciso a intervenção externa para que essa aquisição se dê. Sem dúvida, a maior instituição responsável por isso é a família. É dela que os filhos devem receber a base de seus princípios morais e éticos. O senso de moral e de ética não é apreendido separadamente de outras qualidades que a criança necessita para se tornar um adulto bem sucedido, do ponto de vista moral. A empatia e a compaixão lançam a base da moralidade. Por quê? A velha máxima – faça ao outro aquilo que você quer que ele lhe faça – é um sábio ponto de partida para o relacionamento humano, pois a aptidão para entender uma situação do ponto de vista de um outro está no cerne de porque algumas escolhas são certas e outras erradas. Isso é empatia. Contudo, é preciso, antes, ser capaz de colocar-se no lugar do outro e compreender como suas ações afetam os outros. O que demanda compaixão.
Só é possível compreender e valorizar esses sentimentos, na medida em que se percebe que viver subentende relacionar-se, interagir com outras pessoas o tempo todo. E precisamos desta interação para nossa sobrevivência e felicidade. Portanto, cabe aqui uma pausa para reflexão: você tem ajudado seu filho a se formar alguém moral? Vale ressaltar que a aptidão para seguir um código moral desenvolve-se à medida que as habilidades cognitivas e emocionais crescem.
Quando pequena, a criança ainda tem seus pais como super-heróis inqüestionáveis, portanto, seus valores morais são diretamente derivados deles. Neste momento, a família deve aproveitar todas as situações de impasse, conflito ou dúvida para ensinar a seus filhos os princípios norteadores de suas ações. Assim, a criança pequena aprende a respeitar e confiar na autoridade de seus pais, como também internaliza a filosofia da família como sua.
Voltando à novela, não temos informações sobre os pais da personagem Bebel, já com relação a Otávio, podemos entender que os modelos morais de sua mãe justificam os dele. É natural que os pais queiram que seus filhos decidam seus dilemas por si próprios, conquistando responsabilidade e autonomia. Contudo, não se pode forçá-los a adotar seus valores, mas pode ajudá-los a examinar seu comportamento sob todos os ângulos, refletindo sobre as conseqüências de seus atos tanto para si como para os outros.
Num primeiro momento, podemos ser tentados a impor nossos valores, acreditando que deste jeito serão internalizados pelos filhos. Não se iluda, pois não adianta agir assim! Sabe por quê? Simples: porque a consciência moral é a condição de discernir entre o certo e o errado. Portanto, não faz sentido que esta escolha seja externa ao sujeito, ou seja, que esteja referida ao que as figuras de autoridade dizem ou por medo de punição, mas, sim, porque se sabe e se sente o que é certo. Fazer a coisa certa por sentir-se certo internamente, eis a marca registrada de uma pessoa moral.
Não há respostas certas tão pouco uma única forma de orientar seu filho quanto às situações que acontecem ao longo de suas vidas. Mas sabemos que não é decidindo por ele que o levará a construir seus valores morais. É preciso levá-lo a pensar sobre a situação, ajudando-o a refletir sobre os compromissos estabelecidos e nos sentimentos que pode gerar no outro. É preciso ainda refletir no quanto fica mobilizado diante de situações em que afeta o sentimento do outro. Vamos pensar em alguns exemplos: seu filho é convidado por um amiguinho para dormir em sua casa no final de semana, e este fica extremamente feliz quando seu filho aceita o convite, já fazendo planos das brincadeiras e atividades que irão realizar. Logo depois, seu filho é convidado por outro amigo para acampar naquele mesmo final de semana, idéia que o agradou mais que a primeira. O que fazer? Outra situação: é aniversário de seu filho e ele quer convidar todos os colegas de sua turma, com exceção de um por quem não simpatiza, embora nunca o tenha feito nada. Como agir? Bem, se perguntássemos a Bebel e ao Otávio o que eles fariam certamente suas respostas estariam relacionadas exclusivamente aquilo que lhes trariam prazer, desprovidos de qualquer empatia ou compaixão, ignorando por completo o sentimento do outro. Mas, agora, a pergunta é para você: como você gostaria que seu filho agisse?
No entanto, antes de estar ao lado do filho, atento a essas questões: é válido refletir sobre a forma como você age no dia-a-dia. Por exemplo, o que prioriza é a “Lei de Gerson” – de levar vantagem em tudo independentemente do que aconteça? Age sob forte egoísmo, pensando que primeiro precisa ser bom pra você, segundo, bom pra você também e, finalmente, se não for bom pra você não vale? Enfim, educar não é tarefa fácil, pois a forma como agimos, mais do que a forma como falamos, deixará registrado na criança o modo como irá reproduzir seus valores. Portanto, não bastaria buscar maneiras de como educar melhor o filho sem passar por um processo de ressignificação da sua própria história.
A consciência moral é o que liga os sentimentos internos do sujeito às suas ações externas. Não basta desejar que seu filho tenha valores morais, afinal, isso não é algo que se compre, mas sim algo que será construído, tendo como base os modelos que acompanham o sujeito. Logo aquele velho ditado “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não caberia. Valores não são qualidades aspiradas, mas a constituição do próprio sujeito. Então, torcer ou não por um final feliz isento de punição para Bebel e Olavo passa pelo olhar que cada um de nós tem sobre os valores que devem permear as relações humanas.
Márcia Mattos é psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.