Elas são marcas – literalmente – da nossa história pessoal. Se tomamos um arranhão profundo quando crianças; se, algum dia, tivemos que nos submeter a uma cirurgia; se costumavam proliferar espinhas na nossa pele ou se sofremos alguma queimadura mais ou menos grave… as cicatrizes não nos deixam mentir. São eternas lembranças, na maioria dos casos, desagradáveis. Mas não é à toa que elas existem. Obra do sábio organismo, a cicatriz tem a função de protegê-lo do meio externo, evitar o sangramento e combater infecções. Isso sugere que pensemos duas vezes antes de reclamar delas. Só que falar é muito fácil, não é? Por isso o Bolsa trouxe esse assunto à tona para que você descubra como amenizar cicatrizes maiores ou menores, claras ou escuras, e até mesmo preveni-las.
A primeira pergunta básica é: como essas indesejáveis marcas se formam? A dermatologista Ligia Kogos explica. “Toda vez que há uma lesão, o organismo manda um exército de células para o local do corte, queimadura ou picada de inseto. Algumas dessas células combatem infecções, outras são responsáveis por fechar a abertura. A cicatriz se forma a partir da proliferação de tecidos fibrosos”, diz ela. Essas fibras dão origem a um tecido que não tem a mesma estrutura da pele original: é endurecido e não apresenta pêlos, sulcos nem poros. É por isso que a cicatriz tem um aspecto diferente da pele normal, causando estranhamento. Mas não fossem elas, até pequenos machucados seriam uma ameaça à vida.”Se a sua saúde está boa, a cicatriz se forma de maneira muito eficiente. Qualquer ferimento pode se fechar”, esclarece Dra. Ligia.
Em ocasiões ideais, quando o processo de cura de um ferimento termina, forma-se uma cicatriz do mesmo nível da pele. Em algumas pessoas, porém, o processo de cicatrização ocorre de forma exagerada. Ou seja, o tecido fibroso é produzido em excesso, formando uma cicatriz maior (às vezes, muito maior!). São chamadas de hipertróficas, por exemplo, as cicatrizes que ficam num nível mais elevado do que a pele circundante e que podem causar dor. Existe outro tipo que se caracteriza por ser ainda maior que as hipertróficas, são os quelóides. Já as conhecidas como atróficas apresentam-se afundadas, abaixo do nível da pele que está ao redor. Ocorrem no caso contrário, quando a produção de tecido é escassa. Essas são muito comuns na face, como conseqüência da acne.
Quelóides
O quelóide é, provavelmente, o tipo de cicatrização mais cruel, uma vez que pode ultrapassar, e muito, os limites da cicatriz inicial. “É uma cicatriz exuberante, sem controle. Tem pessoas que chegam a ter quelóides que se assemelham a uma couve-flor roxa. Ele é tido como um tumor benigno e ainda coça e dói”, explica a cirurgiã plástica Deusa Pires. “Uma espinha localizada no colo pode dar origem a um quelóide do tamanho de uma laranja”, revela a dermatologista Denise Steiner, frisando que existe uma predisposição genética à formação desse tipo de cicatriz. Os quelóides são mais comuns em pessoas negras e de origem oriental. Isso não quer dizer que pessoas de pele branca estejam imunes a eles. E nem que todos os negros e orientais tenham tendência a formar quelóides. Alguns locais são os preferidos dessas cicatrizes gigantes. Ombro, orelha e colo, região sobre o externo, no tórax são as principais áreas.
Tratamentos
Você não sabia que as cicatrizes podem ser tratadas? É isso mesmo. Hoje em dia, existe uma variedade de técnicas que possibilitam não só abaixar e afinar as cicatrizes, como tirar a cor avermelhada ou “pintá-las”, no caso de cicatrizes brancas, preencher o espaço deixado por cicatrizes afundadas e, inclusive, preveni-las. Dependendo de cada caso, podem ser usados desde cremes e injeções de medicamento como corticóides e ácido retinóico no local até terapias com radiação e métodos a laser.
As pomadas com corticóide são bastante utilizadas. Normalmente, associa-se a utilização desses cremes à pressão sobre a cicatriz. Coloca-se, por exemplo, placas de silicone apertando o local, o que aumenta o efeito da substância. No caso de cicatrizes hipertróficas e quelóides, o corticóide pode ser injetado. “Existem infiltrações de corticóide capazes de reverter completamente um quelóide. Os mais altos e maiores são os que mais se transformam. Não é como se não tivesse sido nada, mas fica uma cicatriz normal”, garante Ligia Kogos, lembrando que prevenir o quelóide é ainda melhor. “Quando alguém que tem tendência leva ponto, o melhor a fazer é utilizar, logo após a retirada dos pontos, cremes de corticóide ou outras substâncias que também são úteis na cicatrização, como óleo de rosa mosqueta, antenol ou lantoína”, recomenda a dermatologista.
Nos casos em que a prevenção não surtiu tanto efeito, a cirurgia plástica é outro recurso. “Quando o quelóide está muito exuberante, a melhor coisa é retirá-lo, anestesiando as bordas da cicatriz, e, no dia seguinte, encaminhar o paciente para um tratamento chamado betaterapia. São dez sessões e é como se fosse um raio x, só que com uma radiação que só penetra quatro milímetros, não oferecendo risco”, explica Deusa Pires. A intenção da betaterapia é inibir parte da cicatrização, evitando que seja produzido um excesso de tecido fibroso. Mas é preciso ter cuidado antes de submeter um paciente a esse tipo de tratamento. Quando não há certeza de que o quelóide irá se formar, é melhor utilizar os métodos mais convencionais, como comprimir a cicatriz, usar cremes e injeções de corticóides e curativos inclusivos (que têm essa mesma substância em seu interior). “É só quando se tem certeza de que a cicatriz é quelóidiana que se receita esse tratamento, porque caso ela não evoluísse como quelóide, a cicatrização ia se tornar deficiente, ganhar forma de estria e ficar feia também”, ressalta a cirurgiã plástica.
Em cicatrizes escuras, originadas de raspões e arranhões, o uso de cremes com ácidos retinóicos pode clareá-las. Existe a possibilidade também de pintar cicatrizes brancas, como aquelas que ficam ao redor do mamilo, depois de cirurgias de mama, ou as originadas de queimaduras. “Para isso, há hoje em dia o que chamados de maquilagem definitiva e métodos mais simples também como o autobronzeador. Enfim, é possível fazer uma combinação de métodos. Nada tem efeito colateral desde as condições de cada paciente sejam avaliadas. Loiras de olhos azuis, por exemplo, se dão bem com qualquer peeling”, frisa Ligia Kogos.
Falando neles, os peelings são uma alternativa para quem tem cicatrizes rebaixadas. Existem três tipos. “O peeling é uma descamação. Ele pode ser feito com substâncias químicas, com meio mecânico (uma espécie de lixamanto), ou a laser. A intenção é tirar camadas superficiais, de células mortas. Isso estimula a pele a se reorganizar e produzir novas células. Com novas fibras colágenas e elásticas a pele fica mais lisa, mais bonita”, esclarece Deusa Pires. A dermatologista Ligia Kogos ressalta os benefícios que os peelings químicos podem trazer. “Os melhores são os preenchimentos com substâncias injetadas, normalmente ácido tricloroacéticos (ATA) ou ácido retinóico, que fazem com que as cicatrizes se levantem. São muito eficientes para regularizar cicatrizes afundadas, como as de acidentes de automóveis”, afirma ela, informando que as causadas pela acne também podem ser amenizadas com o procedimento.
Trocar uma cicatriz por outra
Até as cirurgias plásticas, que pretendem corrigir imperfeições, deixam cicatrizes. O que os cirurgiões plásticos fazem é estudar a maneira de as cicatrizes ficarem o menos perceptíveis possível. “O que sabemos fazer é esconder cicatriz, colocando-as em cima das linhas de forças, que são as rugas que aparecem com o tempo”, revela a cirurgiã plástica Deusa Pires. Só que em acidentes não há como escolher o local onde a marca irá ficar. É possível modificar uma cicatriz, trocando-a por outra melhor. “Às vezes ela cai justamente ao contrário das linhas de força, como por exemplo uma cicatriz vertical na testa. Nós podemos transformar essa cicatriz vertical em um V. Quebramos ela, fazendo com que adquira dois ramos mais próximos da horizontal”, explica Dra. Deusa.
Cicatrizes largas também podem ser afinadas. “Nós cortamos e aproximamos as bordas, ancorando bem as camadas mais profundas da pele. Procuramos ter uma técnica atraumática, com pinças leves, fios delicados, pontos internos para não ficar aquele aspecto de trilho”, conclui a cirurgiã plástica, lembrando que deixar a área machucada ou operada em repouso, evitando aumentar a tensão, faz diferença depois. Arrancar as casquinha dos ferimentos também só vão contribuir para deixar marcas maiores. E fugir do sol é importantíssimo. “O filtro solar é uma grande arma a favor da boa cicatrização. O sol pode deixar a área mais escura, causar inflamação e fazer vasos estourarem”, finaliza Ligia Kogos.