Repórter testou: Como sobrevivi por 5 dias sem usar o celular

Alô, você: já parou para pensar se faz parte do clube de pessoas viciadas em celular? Para ter ideia, pergunte-se se conseguiria passar cinco dias sem sequer ligar o aparelho. Difícil, né? Mas, fique tranquilo, você não está sozinho. 

Os impactos do vício em celular são tão sérios que já se tornaram assunto de várias pesquisas científicas e de tecnologia. De acordo com pesquisa da Flurry Analytics, uma base de análise do Yahoo, em 2015, 280 milhões de pessoas eram consideradas viciadas em seus smartphones.

Outro  estudo da Coréia do Sul mostrou que o uso excessivo de tecnologias de comunicação, como do celular, causa “demência digital”, um fenômeno que atinge jovens de 20 anos e adultos. Os sintomas são perda de memória e dificuldades cognitivas. Há ainda  estudos que mostram que dormir com o celular do lado causa dores de cabeça e dificuldade de sono, por conta da radiação do aparelho.

Minha experiência: perrengues e sensações

Em uma bela tarde de sexta-feira, enquanto eu comemorava o início do fim de semana, minha editora me jogou a bomba durante nossa reunião de pauta: “Será que dá pra aguentar cinco dias sem celular? Nati, que tal se você fizer o teste?”.

Quis chorar, mas apenas sorri. Naquele momento, eu concordava em encarar o primeiro desafio da série “Repórter testou”, que vamos publicar aqui no Vix

Cinco dias ou 120 horas depois, quando eu finalmente pude ligar o meu celular, me deparei com 117 mensagens no WhatsApp (quase 1 mensagem por hora!) em 10 conversas diferentes. Alguns comentários de “ah, é, ela não lê o que a gente escreve”. O desafio de ficar sem celular me jogou em um grupo frequentado por poucos: os que não se importam em estar off-line, os que dão de ombros para as redes sociais, aqueles fortes guerreiros que passam um dia inteirinho sem olhar as notificações de fotos, vídeos e textos que pipocam à frente dos nossos olhos. 

Eu sabia que estava viciada nessa interação maluca que um smartphone proporciona, mas não imaginava tanto. Com certeza, antes do, digamos, “detox”, eu fazia parte do time dos usuários que checam a telinha do celular de 20 em 20 segundos. Você também é assim? Pois é. No fundo, nós sabemos que essa ansiedade causada pelo celular não é nem um pouco saudável.

Ficar 5 dias sem celular: como me preparei

Vix

Antes do início do desafio, liguei para os meus pais (que não moram em São Paulo) e avisei que ficaria sem celular. Também precisei falar com um motorista da Uber, porque tinha esquecido meu cachecol dois dias antes no carro dele e, sem o celular, eu não conseguiria mais contatá-lo, já que o contato com os motoristas só acontece se eu ligar pelo aplicativo. Então, era naquela hora ou nunca: precisava deixar tudo combinadinho para ele me devolver o cachecol, e deu certo (ufa!).

5 dias sem celular: relato pessoal

1º dia (segunda-feira)

Cheguei à Redação, desliguei o meu celular e o trancamos na gaveta da minha mesa. Haja tentação. Mas sem chances de burlar as regras: todo mundo ficou de olho em mim. Passei o dia inteiro sem me preocupar com a falta dele, apesar de ter percebido que estava viciada no “Snap do Instagram”, o Instagram Stories. Senti falta de ver as atualizações do aplicativo, mas sobrevivi!

À noite, uma dúvida elementar: como fazer para acordar, se o despertador estava no celular? Tive uma ideia pouco funcional e abri um alarme online no notebook, mas a bateria dele acabou…O que nos leva ao incrível momento do despertar do 2º dia.

2º dia (terça-feira)

Achei que tinha programado para o notebook não entrar em tela de descanso…#sóquenão. Acordei pontualmente às 7 horas apenas porque tive um sonho em que um amigo me contava que ia ser pai. As coisas realmente não são por acaso, incrível. Cheguei à Redação na hora!

Vix

À tarde, precisei fazer uma pauta em que os entrevistados estavam nos Estados Unidos e só podíamos conversar por WhatsApp. Precisei usar o celular da Giulia, editora. Vejam minha alegria na foto acima. Fiquei mais de duas horas com o celular dela na mão, usando estritamente para o trabalho. Isso faz com que a gente não tenha tanta distração e as coisas parecem ser mais focadas. 

Na hora de ir embora, o sol ainda estava lindo, por causa do horário de verão. Tive vontade de tirar uma foto, mas só estava com o iPod na bolsa e a câmera não é tão boa. O registrou ficou só na minha memória.

Em casa, não senti falta de receber áudios ou mensagens por WhatsApp porque fiquei no Facebook e chamei alguns amigos para conversar.

3º dia (quarta-feira)

Lembrei que no iPod também tem despertador! Programei e acordei até antes da hora (talvez meu relógio biológico não confie muito na tecnologia). 

Nesse dia, me lembrei de como olhar a hora na tela do celular tinha feito falta no dia anterior e decidi colocar um relógio de pulso para trabalhar.

No ônibus e no metrô, é curioso perceber o quanto as pessoas andam “encurvadas” para prestar atenção na telinha do celular.

Eu só mantenho os fones de ouvido, sem a ansiedade de ver as últimas notícias, ou ver as fotos de pessoas na balada ou de pratos que sempre parecem mais gostosos no Instagram.

Chego ao trabalho e me atualizo sobre as notícias, mas não acesso os feeds das redes sociais. Parece que saí daquele mar de selfies, curtidas e comentários. Continuo usando o Facebook pelo desktop.

4º dia (quinta-feira)

Coloquei o despertador no iPod, mas acordei novamente antes de ele tocar. 

Shutterstock

Uma sensação curiosa é perceber que o celular está associado ao nosso controle do tempo: usamos como alarme para acordar e tomar remédios e, ao mesmo tempo, ele é a maior ferramenta de perda de tempo, já que todos os minutinhos desperdiçados vendo atualizações de coisas banais e distrativas não voltam mais.

Falando em tempo, confesso que usei o relógio de pulso apenas um dia. Depois, consegui me desapegar da necessidade de checar a hora a cada cinco ou dez minutos (fazia isso, principalmente, quando estava esperando o ônibus). 

Passei o dia bem feliz sem celular, apesar de uma notícia triste ter chegado a mim pelo Facebook: a irmã de uma amiga publicou um aviso de que a avó delas tinha morrido. Fiquei mal por não ter o celular dela para ligar (essa foi uma dificuldade grande: todos os números do telefone de todas as pessoas estavam na agenda do celular, e não na minha memória), mas mandei uma mensagem no Facebook explicando o desafio. 

À noite, choveu muito em São Paulo – minha primeira experiência de temporal paulistano – e o trânsito se tornou um caos por conta disso. 

Fiquei horas sozinha dentro do ônibus e, para me distrair, fiquei de ouvido nas conversas alheias, fazer o que? Até tinha um livro na mochila, mas o caos impediu que eu me concentrasse na leitura. 

Precisei, também, quebrar a cabeça para encontrar uma maneira de avisar meus pais que eu estava viva e chegaria em casa mais tarde. Tive que descer no meio do caminho, em um shopping, para acessar o Wi-fi por meio do iPod e mandar uma mensagem no Facebook. Cheguei em casa bem tarde e fui direto dormir, o que me fez não sentir falta do celular.

5º dia (sexta-feira)

Acordei com o despertador e arrumei as malas, porque sexta-feira é dia de voltar para casa, em Santos. Para chegar ao trabalho com tanta bagagem, entretanto, precisava pedir um Uber. Como ainda era muito cedo e não queria acordar nenhum amigo para isso, pedi para meu pai solicitar o carro. Apesar de estar em outra cidade, ele pediu e o sistema funcionou. Tive apenas que explicar ao motorista toda a situação. 

Cheguei ao trabalho e o desafio se concluía. Giulia destrancou meu celular e me entregou sob olhares de “agora você vai aproveitar muito!”.

Apesar disso, me senti tranquila em perceber que o aparelho é apenas mais um objeto que fizeram nos acreditar que precisamos ter sempre a mão. Ele se tornou um objeto mais funcional do que de apego – “minha vida toda está nele, não posso deixa-lo longe de mim” – tanto que, só com ele, consegui baixar um aplicativo de caronas e fui de São Paulo para Santos com mais três pessoas bem legais.

O que aconteceu quando eu peguei o celular de volta

O processo de desencanar do celular, acredite, é um treino. Parei de olhar para ele na hora do almoço e, principalmente, enquanto meus colegas falam comigo. Hoje, me incomoda um pouco essa postura, mas não vou dizer que não farei mais, porque o vício é imprevisível!

Publico menos coisas nas minhas redes sociais e diminuí consideravelmente a “chuva de likes” que a gente acha essencial manter nas postagens dos nossos amigos, pretendentes e naquilo que nos interessa, como se as manifestações nas redes sociais fosse uma forma de dizer aos outros que “ainda estamos vivos”. 

Nota da Editora

vix

A Nathália é uma pessoa bastante equilibrada. Nunca a vi perder o controle. A não ser em seu primeiro almoço sem celular. Apesar de não transparecer, dava pra ver em seus olhinhos o desespero por passar os 60 minutos diários que temos para nos distrair e quebrar um pouco o fluxo intenso que vivemos na redação sem checar seu WhatsApp. Também demos risada quando ela relatou o episódio do despertador. Afinal, quem é que ainda tem em casa aquele velho e ultrapassado rádio-relógio que desperta tocando músicas de uma estação de rádio? (meus pais têm, tomara que eles não leiam isso!). Fiquei preocupada em pensar que ela poderia se atrasar por causa disso. Mas sabia que ela daria um jeito, e deu. Na terça-feira, quando emprestei o meu celular para ela fazer uma entrevista via WhasApp, brinquei: “nunca vi uma entrevista durar tanto!”. Parecia que ela estava prolongando o papo para matar a saudade. Mas ela negou, e ainda nega! O fato é que, com certeza, ela se saiu muito melhor do que eu me sairia na experiência (eu surtaria, sem dúvida) e – de quebra – ainda conseguiu tirar proveito da semana do detox: ela se acostumou a ficar sem celular! Ou seja, vai reduzir seu vício e colaborar com sua saúde mental e física. Legal demais, né?  

Vício em celular: sintomas e como tratar (!)