Amor estrangeiro, como fica?

Encontrar o homem da sua vida não é tarefa fácil. Tem gente que tem sorte e esbarra com ele por aí, em algum canto desse mundão de Deus. E, como nada é perfeito, provavelmente ele é filho de solo estrangeiro. O que fazer diante de uma situação dessas? O certo seria casar, claro! Formar um lar. Mas aí surge a questão: no meu país ou no seu? Então, antes de sair assinando papéis ou juntando as escovas de dentes informalmente, é de bom tom conferir todos os meandros deste processo. Afinal, a lei que regulariza a permanência de estrangeiros no Brasil está para ser mudada.

É uma história que está se tornando cada vez mais corriqueira. Você entra em um chat e começa a bater papo com aquele moço do outro lado do planeta. Os dias e meses passam e vocês continuam conversando. As afinidades vão aparecendo, o interesse vai aumentando. Depois de muitos e-mails, fotos e horas a fio na webcam, e da constatação de que não se trata de um psicopata ou um mentiroso, é hora de armar um encontro. Ele vem visitar você nas férias, você vai para o país dele e acaba surgindo a vontade de ficar junto, definitivamente. Esse passo, que sem dúvida é o mais difícil de uma relação dessas, não envolve só sentimento e a dúvida de trocar um país pelo outro, a incerteza de se adaptar em um lugar de costumes e culturas diferentes. Envolve também burocracia. Muita burocracia.

Coração em outras terras

Por causa de uma paixão incontrolável, a designer Mariana Cury largou casa, comida e roupa lavada para se mandar para Cingapura. Queria viver o tórrido romance com um frio inglês. Casaram-se lá, construíram uma linda casa e tiveram dois filhos. Mas a relação do casal, depois de um certo tempo, já não era mais a mesma. Mariana queria se separar e voltar ao Brasil, com os filhos, claro. Era aí que começava o seu calvário. “Não consegui autorização para sair do país com as crianças. Nos separamos, e ele ficou com elas, porque tinha mais condições do que eu. Eu passei a ter hora marcada para ver meus filhos, estava num país que não era meu, casada com um homem que não era de minha nacionalidade, imagina… O tempo foi passando, e a distância surgindo entre nós. O Herbert, meu ex-marido, incentivava isso. A única saída que vi foi voltar para o Brasil sozinha. Aqui, poderia tentar brigar. Teria minha família me apoiando”, conta Mariana, que ainda não conseguiu reaver a guarda dos filhos e está há mais de dois anos sem vê-los.

Já com a arquiteta Roberta Machado Vieira foi diferente – ela tratou de importar o moço, o argentino Carlos Castelar que conheceu em Búzios, Rio de Janeiro. Foi amor à primeira vista, segundo ela. Enquanto as férias não terminaram, o casal não se desgrudou. Só que sempre chega o fatídico dia da partida. “Quando foi o dia do Carlos voltar para Buenos Aires, fiquei perturbada. Estava apaixonada e talvez nunca mais o veria. Com a internet, o contato é muito maior e a proximidade é mantida. Ou seja, continuamos apaixonados. Carlos está planejando a vinda dele para o Brasil para fazer uma pós. Ele vem como estudante, por hora não teremos grandes problemas, o vínculo não sou eu. Depois é que vamos ver como fica”, comenta Roberta.

Minha pátria, sua pátria…

No Brasil, os casais “binacionais”, como são chamados pela Justiça, estão crescendo desde o advento da internet. Ainda não se sabe ao certo quantos são, segundo informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas são suficientes para gerar a discussão de um novo projeto de lei para a entrada e permanência de estrangeiros no país. O anteprojeto foi lançado pelo Ministério da Justiça em setembro. “É fato que o numero de pedidos de visto permanentes baseados em União Estável tem crescido no Conselho Nacional de Imigração”, diz a advogada Ana Paula Dias Marques, especialista no assunto. Basta dar uma folheada no Diário Oficial para contabilizar quantos vistos são concedidos baseados em uma resolução administrativa de maio de 2003 do Conselho de Imigração, que dá ao casal o direito ao visto reconhecendo a união como um casamento. Desde então, pululam os processos para que o Conselho avalie a veracidade dessas uniões -é preciso provar que se vive junto com fotos, documentos e uma certidão obtida em cartório. Na mesma proporção tem crescido nos cartórios de registro civil os casamentos com estrangeiros e a emissão de carteiras nacionais de estrangeiros na Polícia Federal.

Atualmente, nos dois casos, casando ou morando junto, é possível obter um visto permanente para o companheiro. Esse visto dá o direito de trabalhar, dirigir, abrir conta no banco, enfim, a fazer praticamente tudo o que um cidadão brasileiro faz, com algumas exceções, como votar. Em média, com um advogado, ele pode ser obtido em seis meses. A nova legislação, que ainda vai passar pelo crivo do Congresso Nacional, traz mudanças problemáticas para quem quer casar-se ou unir-se a um estrangeiro. Ela propõe, por exemplo, que seja emitido um visto temporário de cinco anos antes de um permanente, que deverá ser requerido.

Aí é que está o problema: sem um visto definitivo, teoricamente não se pode trabalhar. “Como eles vão se manter financeiramente?”, indaga Ana Paula. Ela acredita que deva ser criada uma outra lei que autorize ao estrangeiro ter um emprego durante os cinco anos de vida em comum, mas isso não foi citado na nova legislação. Permanência só é certeza se o casal tiver filhos – adotados ou não. Um outro ponto conservador da lei é a união entre homossexuais, que também já pode ser obtida por meio de processos no Conselho, mas nem sequer foi citada no novo documento e é tratada como um caso extraordinário nos tribunais brasileiros.

O lado bom do projeto é que ele é mais diplomático. Se o estrangeiro estiver em situação ilegal, por exemplo, poderá requerer seu visto baseado no casamento ou na união só com o pagamento de uma multa (proporcional ao tempo como clandestino) sem que para isso precise deixar o país. A lei prevê que um estrangeiro possa ficar por aqui como turista por três meses, prazo prorrogável por mais três. Atualmente, legalizar a situação significa voltar para o país e entrar novamente – isso se a Polícia Federal não criar empecilhos. Neste caso, entretanto, a lei entra em conflito com a Constituição, que nega o visto para alguém em situação irregular. “Neste caso a legislação contraria a Constituição, um poder maior”, esclarece Ana Paula.

Quem já tem um processo em andamento não precisa esquentar a cabeça. A lei não é retroativa e deve sofrer várias modificações até alcançar o Planalto. É acreditando nisso que o Ministério da Justiça colocou o documento em seu site para a população opinar. Para ler na íntegra, é só acessar o site http://www.mj.gov.br/Estrangeiros/consultas/consulta01_05.htm.