“Decidimos ocupar. A polícia fez muita pressão para não deixar. Falou que os pais de menores de idade iam ter que responder a processos judiciais. O diretor ameaçou fazer um boletim de ocorrência. Eles deixaram a escola sem luz naquele dia e, se alguém saísse, não deixavam entrar”, conta Juliany Ávila, aluna do 2º ano do Colégio Estadual Chico Anysio, na região do Andaraí, no Rio de Janeiro, parte da organização da ocupação, que não arreda o pé da escola desde 8 de abril.
“Logo a gente começou a se organizar. Criamos diversos comitês, cada um responsável por uma coisa. Um para alimentação, outro para a limpeza, um para a comunicação, outro para nunca deixar a escola vazia, porque tem revezamento, uma escala de quem vai dormir e em qual dia. É tudo feito pelos alunos, inclusive a comida”, Juliany explica com orgulho. “É a gente mesmo que se organiza e cozinha. É muito divertido”, revela.
Reivindicações das escolas do Rio de Janeiro
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Aumento da segurança, melhora da infraestrutura, investimentos em materiais de estudos, passe livre todo dia, meia entrada efetiva, são só alguns dos pedidos que os alunos do Rio de Janeiro estão solicitando ao governo. E, apesar de ser considerada uma escola referência, com uma boa infraestrutura, Chico Anysio também tem muitos problemas.
“A gente apoia a pauta geral. Mas também temos nossas próprias reivindicações. Quando fizemos a assembleia, perguntamos: como era o colégio quando você entrou e como ele está agora? Antes tinha porteiro, inspetor e, aos poucos, eles foram cortados. Hoje, o portão fica trancado, e a chave da escola fica com qualquer um. Temos cinco alunos com autismo aqui, dois têm problemas motores, usam andador e cadeira de rodas. Se você precisa sair, tem que ficar procurando com quem está a chave. Se pegar fogo no colégio, por exemplo, até você achar a chave, que não tem cópia…”, exemplificou a aluna.
A alimentação precária é outro ponto da ocupação de Chico. “Chegamos ao ponto de ter biscoito de água e sal no café da manhã, ovo no almoço, e biscoito de lanche da tarde de novo. Quando fizemos um projeto de doação de sangue entre os alunos, 86 foram chamados. Deles, 60% não puderam doar porque foram diagnosticados com anemia. Isso não aconteceu por causa da alimentação que recebemos em casa. Só jantamos em casa. Passamos o dia todo na escola, das 7h às 17h. E ainda por cima não podemos levar comida de casa. Só em casos de dietas restritas de nutricionistas. Mas ninguém vai no nutricionista para pedir para comer arroz e feijão”.
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“A gente come melhor agora do que na merenda, inclusive”, complementa Juliany, ressaltando que a refeição varia de acordo com as doações. Eles comem arroz, feijão, carne, frango, macarrão com molho e salsicha, salada e até biscoitos recheados. E não teve tempo ruim nem quando a luz foi cortada. A refeição, rica e até com Coca-Cola, aconteceu à luz de velas.
Os alunos ainda não sabem até quando pretendem manter a ocupação. Mas a luta segue firme. “A gente não vai desocupar para só então eles resolverem fazer algo. Queremos ver resultado”, respondeu Juliany, quando questionada sobre o comunicado da Seeduc, que chegou a reconhecer a legitimidade das exigências dos alunos e prometeu tomar providências apenas quando a ocupação nas escolas acabar.
Organização das ocupações das escolas
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O colégio possui uma página no Facebook, a Ocupa Chico Anysio, onde os alunos costumam fazer pedidos de doações, que vão desde produtos como sabão em pó, de higiene pessoal, até carnes, frutas, verduras e até mesmo marmitas. Apesar de contar com a ajuda de alguns pais, que passam com certa frequência para checar as atividades, Juliany revela que eles fazem tudo sozinhos.
Os alunos que permanecem nas escolas recebem doações da comunidade e também trabalham com um espécie de escambo, como conta Fernanda Correa, professora de História da Arte da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), simpatizante do movimento e voluntária na agenda de atividades da Chico Anysio, durante esse período de ocupação. “Se uma escola tem mais arroz do que a outra, eles trocam o alimento por outra coisa que estão precisando e que está sobrando em outro colégio. É muito inteligente”.
“Na parte da manhã, não todos os dias, a gente tem os aulões, com lições de inglês, português, história, geografia, física”, explica Juliany. É aqui que também entra Fernanda e outros professores de faculdade e de escolas particulares, que ajudam o colégio com aulas e palestras. Às tardes, os estudantes contam com outras atividades, como oficinas, saraus beneficentes e debates. “Mesmo muito mobilizados, eles estão muito preocupados com a vida escolar. Sabem que a vida tem que seguir. E nunca estão parados, sem fazer nada”, diz Fernanda. Uma das atividades foi o Clique Sociológico, um projeto de pesquisa da UFRJ, em que os alunos tiraram várias fotos usando a legenda #AprendiComAOcupação.
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Como tudo começou na Chico Anysio
“Pensamento crítico? Pensamento crítico é para se ter só nas aulas de história’, foi a resposta que uma representante da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) do Rio de Janeiro”, conta Juliany. Com voz de cansaço e de quem estava na correria, ela explica que a ocupação não era algo desejado desde o início. “A gente queria conversar antes de tomar qualquer decisão. Quando pedimos para o diretor para realizar a assembleia, a gente nem estava pensando em ocupação”, diz a estudante.
“Mas no dia 7 de abril, os professores iam fazer uma paralisação. Já que o Grêmio Estudantil não se manifestava, eu e mais quatro amigos, mais ligados com as questões dos professores, pensamos: vamos fazer uma assembleia. Porque, já que não ia ter aula, a gente podia juntar os alunos de todas as salas, todos os anos, sem atrapalhar. Falamos com o diretor, que, num primeiro momento liberou, mas depois voltou atrás. Não deixaram ninguém entrar no colégio no dia da paralisação”.
No dia seguinte, a escola foi acompanhada por duas representantes da Seeduc, que “estavam observando o movimento no colégio”. O diretor teria dito à Juliany e aos amigos que não tinha sido permitida a realização da assembleia porque não poderia atrapalhar as aulas e que a justificativa seria dada em sala. “Mas que incoerente”, pensou a aluna. “Não podemos parar a aula para fazer a assembleia, mas pode-se parar a aula para falar o porquê de não podermos”, relatou indignada.
A garota conta que o tratamento delas foi muito agressivo. “Interromperam a aula para dar o aviso, fizeram várias perguntas sobre o que seria discutido e debocharam dos alunos. Quando saíram, duas viaturas de polícia estavam do lado de fora da escola, e oito policiais dentro, com fuzis na mão. Ficamos muito chateados e sem entender o que estava acontecendo. E aí, a gente decidiu que ia ter assembleia, sim!”.
A representante da Seeduc teria justificado a proibição da assembleia, alegando que existia um novo decreto de lei que proibia que os alunos fizessem esse tipo de reunião. Mas os estudantes fizeram o evento mesmo assim. “O diretor regional apareceu logo no início. Mas como ele sabia que ela ia acontecer? Quando perguntamos como ele apareceu tão rápido, não soube responder. Disse que foi coincidência. Não respondeu as perguntas que fizemos, atendeu ligação no meio. É um absurdo. Um absurdo muito grande. Uma falta de respeito”, desabafa Juliany.
Quando procurada, a Seeduc disse desconhecer o teor das acusações feitas pelos alunos do colégio e não quis se pronunciar. Segundo dados oficiais, 77 escolas ainda permanecem ocupadas e informa que ofereceram uma cota extra excepcional no valor de ate R$ 15 mil para cada unidade da rede para que sejam feitos manutenções e reparos, no intuito de demonstrar que estão com vontade em negociar e resolver a situação das ocupações.