Amamos odiar

Outro dia, zapeando a TV, ouvi uma moça dizendo: “Esse Big Brother é tão ruim que acaba com a minha noite!”. Está aí uma dúvida que eu sempre tive: por que as pessoas continuam assistindo a programas que elas dizem detestar?

Como escreveu Freud, no clássico “O Mal-Estar na Civilização”, uma sociedade pode se manter dentro de limites civilizados, ordenada, obedecendo a leis e regras, desde que abra mão de realizar uma série de desejos. O efeito colateral dessa abdicação é a necessidade de haver um grupo no qual os golpes de todos sejam desferidos. Feio, mas verdadeiro.

Polêmicas seguram empregos. Não dê ponto para bandido. Se você quer realmente protestar, ignore

A moça que fez aquele comentário provavelmente ama odiar o Big Brother. E, quando ele sair do ar, seu alvo será qualquer outro programa, ou uma colega de trabalho, ou um ex-namorado, ou uma cantora com a qual ela resolva antipatizar, ou qualquer outra pessoa que, definitivamente, não tenha nada a ver com a sua ira. Ela precisa odiar algo ou alguém – arranjando justificativas para isso – e desferir seus golpes com absoluta paixão. Quem passar na frente, dançou.

E o assunto se ramifica. Certa vez, por exemplo, eu fiquei uma fera por conta de um programa tendencioso (como se todos nós, de alguma forma e em graus diferentes, não fôssemos tendenciosos). Lembro que gastei tempo e bílis a escrever um e-mail imenso para a emissora de TV, reclamando. Depois, ao conversar sobre o assunto com a jornalista Rosana Hermann (ela não tinha nada a ver com o tal programa), ouvi a seguinte lição: “Stella, não importa se as pessoas gostaram: importa se elas viram, se elas deram audiência. Polêmicas seguram empregos. Não dê ponto para bandido. Se você quer realmente protestar, ignore”. Depois de onze anos na área, posso dizer que Rosana estava coberta de razão.

Por conhecer essa realidade – e por certos programas não renderem sequer uma discussão interessante -, não vou enveredar pelo ataque a quem só veicula fofocas, pegadinhas e discussões sobre o Big Brotlher, mas sim elogiar duas apresentadoras que podem dormir orgulhosas de seu trabalho: Ione Borges e Adriane Galisteu.

Tanto o programa que Ione conduz na TV Gazeta quanto o que Adriane comanda no SBT tem espaço para todos os tipos de música, literatura, auto-ajuda, teatro. Sobre este último, só em São Paulo (onde ambos os programas são feitos) existem mais de uma centena de peças em cartaz, cada uma com seu próprio roteiro e atores devotados. E não é uma delícia ouvi-los falar de seus espetáculos ou assistir a pequenos improvisos? Eu adoro.

Tenho de elogiar também o comportamento tanto de Ione quanto de Adriane, que não precisam de fichas para entrevistar seus convidados (elas usam, mas não precisam) e que os tratam, na frente ou atrás das câmeras, da mesma forma, coisa que pude constatar pessoalmente várias vezes. Palmas também para os profissionais que fazem parte da produção e da técnica: o trabalho dos invisíveis aparece, e como!

Portanto, quem procurar, irá encontrar boas opções na telinha: eu citei apenas duas. Também é uma opção desligar a TV e ouvir um CD gostoso, ler um bom livro ou ir ao teatro. O problema é que amamos odiar alguém – e, na TV, há uma extensa oferta de odiáveis.