Toda quinta-feira, às 18h, ela me espera no alto da escada e me recebe com um abraço. Entramos em uma sala onde o ar condicionado está sempre no máximo e me sento de frente para ela, que cruza as pernas dentro de um vestido florido, sobre uma poltrona aparentemente mais confortável do que o sofá destinado, pela próxima hora, a mim.
E começo a contar minhas angústias, que não são poucas. E falo rápido, e emendo assuntos e perco os fios das meadas. Olho ora para o chão, ora para a parede, às vezes para os seus grandes olhos verdes. E se uma lágrima ameaça escapar, ela me oferece a caixa de lenços de papel. Ao ver a caixa, engulo o choro de imediato e disparo todo um dicionário até que ela descole as costas da poltrona em um claro sinal de que vai levantar, porque o meu tempo acabou. Sempre quero ficar mais, mas tenho que ir.
Quero saber se ela dormiu mal à noite, se sofre de insônia, se chegou tarde da noitada, se tem o costume de dormir depois do almoço. Ou – o mais provável depois do segundo bocejo – se ela acha, ou já se deu conta, que sou uma tremenda chata
Leiga, acredito que o processo terapêutico tenha vários estágios. Um deles, o mais óbvio, acontece na análise freudiana quando o paciente é convidado a deitar no divã. Como a sala da minha terapeuta nem divã tem, acabei identificando os meus próprios estágios:
Estágio 1 – Paixão: só penso na terapia o tempo inteiro, quase como se apaixonada estivesse. Terapia, terapia, terapia. Enumero os temas que quero abordar. Em que ordem. De que forma. Treino. Fico ansiosa até a hora da sessão.
Estágio 2 – Curiosidade: a terapeuta já sabe um bocado sobre mim – muito além do que contei. E eu não sei nada sobre ela. Eu, eu não faço questão de saber quais são as angústias dela, seus traumas de infância nem seus segredos mais cabeludos. Me contentaria em saber o mais simples – onde ela mora, quantos anos tem, se é casada ou solteira. E, claro, adoraria saber se ela é Cátia com “c” ou Kátia com “k”.
Estágio 3 – Amigos, amigos, terapia à parte: dou preferência a conversas com amigos que também fazem análise com a intenção de trocar experiências e impressões sobre o tratamento. Tal estágio me gerou profundo desconforto.
– Você já começou a falar sobre a sua família?, pergunta a amiga que faz análise há muito mais tempo que eu.
– Não, respondo desconfiada.
– Ah, então sua terapia não começou ainda.
(A amizade estremeceu)
Estágio 4 ou Estágio da catequese: você faz terapia? Ah, devia fazer… É muito, muito bom. Tô amando!!! Todo mundo tem que fazer!
Estágio 5 – Amor e ódio: Cátia (ou Kátia) me confronta. É como se ela colocasse o dedo no meu nariz. Não gosto. Quero faltar a sessão seguinte, quero largar esse negócio de terapia que não adianta coisa nenhuma.
Na hora marcada, estou lá. Olho para ela, no topo da escada, as flores do vestido destacam a cor dos seus olhos. Noto que aparou os cachos e fico em dúvida se devo tecer comentário ou não. Conto para ela toda a minha vida sem prestar atenção em minhas próprias cenas. As tramas são monótonas e Cátia (ou Kátia) boceja. Quero saber se ela dormiu mal à noite, se sofre de insônia, se chegou tarde da noitada, se tem o costume de dormir depois do almoço. Ou – o mais provável depois do segundo bocejo – se ela acha, ou já se deu conta, que sou uma tremenda chata.
Acaba a hora, ela descola as costas da poltrona, diz que chegaram seus cartões novos e me estende um deles, cheirando a novo, onde está escrito Kátia, com “k”.