No churrasco
Estendo a tábua coberta por pequenas fatias de picanha mal passada em frente a um menino de 6 anos e falo assim:
– Sua mãe mandou você pegar um pedaço, mas não comer a gordura.
O menino de 6 anos, o mais doce que já vi, interrompe o caminho de seus pequenos dedos já em forma de pinça, olha para mim e pergunta, intrigado:
– O que é gordura?
– É essa coisa na pontinha da carne.
– Essa parte amarela? – ele aponta.
– É – digo.
No que ele pergunta:
– Tudo o que é amarelo no mundo é gordura?
Parecia o começo de um filme de ficção científica e veio uma sensação parecida com a de quando acordo no meio da noite e você não está
Na minha cabeça
O elevador do prédio tem porta pantográfica e canta pneu.
Se eu fosse morena, compraria um casaco de moletom amarelo-limão.
Sempre titubeio antes de colocar uma crase e aceitar um convite.
Da minha janela, dá para ver o Cristo – não sei por quanto tempo, já que um prédio cresce na calçada em frente.
Às 6h da manhã, quando cheguei em casa, ainda estava escuro e acendi a luz da sala. Sentei no sofá, olhei para a janela e percebi que o Cristo não estava lá. Nem a estátua nem sequer o morro. Fiquei assustada. Parecia o começo de um filme de ficção científica e veio uma sensação parecida com a de quando acordo no meio da noite e você não está .
Meia hora depois, eu estava com sono, muito sono, mas não ousei ir para o quarto antes de o cristo aparecer, como se a presença dele dependesse da minha. Cheguei a pensar que estava no apartamento errado, no bairro errado, no sofá errado olhando para a janela errada. Não fossem alguns detalhes como o estalar do sinteco, as lombadas dos livros que já li olhando em meus olhos e a cadeira velha que acabei de comprar, teria certeza de que estava no lugar errado. E estava.
Às 6h45 as nuvens choveram e o Cristo apareceu, mas eu estava dormindo.
Na cama
Estou em uma estrada larga, de asfalto novo. Olho para trás e, na minha direção, vem um trator cuja altura é o triplo da minha. Apresso o passo e percebo que a distância entre mim e o trator é cada vez menor. Corro. O trator corre mais. Olho para trás outra vez e o trator vai me atropelar. Ele vai começar, pelos dedos do pé, a passar por cima de mim. Penso: vou morrer.
(Nos sonhos, esse é o momento em que costumo acordar: segundos antes da minha morte. Dessa vez, o sonho continuou – o que agora entendo como uma pista do que viria em seguida)
O trator passa por cima de mim. Ele é leve, é um trator de isopor ou um trator inflável – não sei ao certo. Ele passa por cima de todo o meu corpo. Debaixo do braço e na cintura, me faz cócegas.
Foi o melhor sonho que já tive.
No carro
Dois adultos no banco da frente prendem o riso. Há duas crianças, de 5 e 3 anos, no banco de trás. Conversam, as crianças.
A menina de 5 anos diz:
– Vou para Teresópolis.
No que a de 3 pergunta:
– É longe?
A de 5 responde com a exatidão da idade:
– Duas, três, sete horas.
E a de 3 continua:
– De avião?