Mentir ou omitir?

Basta colocarmos o pé na rua para começar. É bom dia daqui, tudo bem de lá, mesmo que no fundo a cólica esteja nos matando, ou a TPM fora de controle. A boa educação nos faz mentir, ou melhor, tratar as pessoas da forma como fomos ensinadas a fazer. Ninguém espera desejar um bom dia, e receber de volta uma verdadeira declaração de insatisfação com a vida. “Bom dia coisa nenhuma! O despertador não tocou, acabei me atrasando, não pude nem lavar o cabelo, estou me sentindo horrorosa, peguei uma chuva no caminho, e pisei num cocô de cachorro”. Já imaginou? Pois é, a mentira é muitas vezes uma questão de educação, e apenas facilita o desenrolar do nosso dia-a-dia.

Diplomática como só, a mentira evita discórdias e mantém amizades firmes e fortes. A perguntinha básica que rola antes de qualquer noitada entre mulheres, não poderia escapar à regra. Mal entra no carro, sua amiga questiona: “E aí, gostou da minha roupa?”. A cafonice em pessoa, tudo o que ela não quer ouvir é a verdade. Mais do que bem-vinda, a mentira é necessária. Qualquer pessoa com bom senso sabe que há momentos em que não apenas se pode – mas deve – mandar um caô. Não chega a ser mentira, mas uma consideração com a auto-estima da coitada, que num acesso de nostalgia desencavou do armário sua botinha sete oitavos e uma jaqueta de ombreiras, combinando, é claro, com a camiseta de lurex prateado. Tudo pela amizade.

As situações são tantas, que passam até despercebidas. Do elogio ao bacalhau da avó, durante o almoço de domingo, à confirmação de que, sim, ele mandou superbem na cama, e te fez ver estrelas, tudo é dito em prol do carinho que sentimos pelo outro. Para quê decepcionar a senhorinha de 82 anos, e mandar na lata que faltou sal, e o peixe estava um tanto quanto duro? A verdade, que ninguém quer ouvir, nem tem coragem de dizer, seria um tiro no peito da avó, tão querida. Colocar a auto-estima dele lá embaixo, e começar uma séria discussão de relacionamento em plena madrugada? Não, obrigada! Não é hora de ser sincera. Ficamos com a mentira, que é a melhor e única saída.

Da mesma forma como quando perguntamos para o namorado se ele acha que precisamos perder uns quilinhos. Certamente ele dirá que está feliz com as coisas, do jeito que estão, sem tirar nem pôr. Esse tipo de pergunta é uma verdadeira injustiça, e das grandes. O tipo de verdade que não queremos escutar, e quando ele comete o erro de ser sincero, lá vem a discussão. A psicóloga Vera Soumar acredita que essas mentirinhas não façam mal algum, e, em alguns casos, sejam até necessárias. “Se você tem uma justificativa para mentir, tudo bem. Em alguns momentos, ser sincero demais não é uma boa idéia. Nem o ser humano nem a sociedade estão preparados para isso”, afirma.

A mentira social é tão importante no nosso dia-a-dia que quem não consegue contar uma mentira sequer acaba passando por muita saia-justa. É o caso da assessora Adriana Menezes. Aos 28 anos, Adriana já jogou um namoro água abaixo pela incapacidade de contar uma mentirinha. “Sou sincera até demais. Não consigo mentir nem para ser gentil. Estava namorando um cara, e comecei a ficar neurótica achando que ele ainda gostava da ex. Tinha a impressão de que ele me comparava a ela o tempo todo. Um dia não agüentei, e acabei contando como me sentia por causa dela. É claro que depois dessa, o namoro terminou”, recorda Adriana. Para a assessora, a sinceridade é fruto de uma crença. “Sigo uma frase que aprendi no budismo: o verdadeiro amigo é aquele que não tem medo de falar a verdade. Elogiar é fácil. Outro dia fui ajudar uma amiga a escolher roupa para uma festa. Falei na lata que o vestido que ela tinha gostado mostrava todos os pneus. Depois da decepção, ela acabou comprando outro”, conta, sem dó, nem piedade. Para quem, quando indagada pela mãe se era virgem, respondeu sem pestanejar que não, ajudar a amiga foi moleza.

Vera Soumar bem que avisou! “Pessoas que não conseguem mentir acabam rompendo vínculos afetivos. Devemos entender que nem todo mundo está preparado para ouvir a verdade. As mentiras bobas servem para se manter o social. Se sua amiga está com o cabelo horrível, você até pode contar, mas precisa saber o momento certo. Para quê deixar a pessoa se sentindo mal? Em alguns momentos, a verdade pode fazer o mundo de algumas pessoas cair”, ensina a psicóloga.

Se o excesso de sinceridade faz mal, o de lorota também não é recomendado. “O problema é quando se torna um vício, e a pessoa passa a acreditar na própria invenção. Na terapia, percebo quando o paciente se perde na história, e cria fantasias. A solução é fazer com que o mentiroso entenda o que o leva a inventar fatos. Geralmente, são subterfúgios para fugir de problemas”, explica a psicóloga. Mas antes de mandar aquele seu amigo garanhão, que adora contar vantagem quando discorre sobre as conquistas realizadas, pro divã, atenção! Estamos falando dos mentirosos compulsivos, e não de gente que adora encher a boca para se auto-afirmar.

Acredite ou não, até os mentirosos compulsivos têm desculpa para o excesso. Um estudo realizado recentemente pela Universidade da Califórnia do Sul afirmou que os cérebros dos mentirosos compulsivos são diferentes dos de pessoas sinceras. A culpa pela conversa de pescador não é deles, e sim do excesso de massa branca no cérebro – 26% exatamente. Essa tal massa branca é responsável por atuar na transmissão de informações, enquanto a massa cinzenta as processa. Os pesquisadores crêem que a massa branca estimule a mentira. Se contar a verdade está fora do nosso controle, esta é a desculpa perfeita com a qual todos os pescadores sempre sonharam. Como assim? Você não soube que eu conheci o Brad Pitt?!