“Linfoma de Hodgkin”, disse o médico. Em um misto de surpresa e tristeza, Michell Denny Rossi recebeu a notícia que confirmava o câncer. “Não acreditei no que estava ouvindo. Na hora, abriu um buraco que levou embora toda certeza sobre o futuro da minha vida”, conta.
Mas depois do impacto inicial da descoberta, o que veio foi uma reação muito diferente do que estamos habituados a ver. No lugar do sentimento de tristeza – que é muito comum e totalmente aceitável quando da descoberta de uma doença grave – Michell colocou 30 amigos e familiares (quatro dos quais rasparam a cabeça junto com ele) e muito otimismo.
Tudo isso foi filmado e postado por um amigo de Michell. O vídeo se tornou famoso e passou a servir de inspiração para quem passa pelo mesmo que ele.
Mas a batalha contra a doença não parou por aí. Conheça a história de Michell Denny e como seu jeito otimista contribuiu para o tratamento do câncer.
Descoberta do câncer
Tudo começou com uma tosse tão intensa e persistente que por vezes levava ao vômito. Em seguida veio a dor no meio do peito ao realizar certos movimentos. “Achava que pudesse ser um resfriado ou algo do tipo, afinal, a gente não espera que algo tão grave possa ocorrer”, explicou Michell, que só foi ao médico após notar nódulos no pescoço.
O caroço que sentiu é o principal sintoma da doença e pode se manifestar em qualquer parte do corpo. Outros sinais comuns do Linfoma de Hodgkin são tosse, falta de ar, dor no tórax, sensação de estufamento no estômago, distensão abdominal, febre, sudorese, perda de peso, coceira e cansaço.
O diagnóstico veio após uma bateria de exames no fim de 2015.
Desabafo que permitiu seguir em frente
Apesar de o Linfoma de Hodgkin possuir altas chances de cura, Michell resolveu esconder o resultado da família para não preocupá-los. Sua opinião mudou depois de conversar com uma psicóloga, que mostrou a importância do apoio dos familiares no tratamento de câncer.
“Além de me incentivar a contar para meus parentes e amigos, ela também me fez chorar pela primeira vez desde a confirmação da doença. A partir disso, consegui desabafar e pensar de forma racional”, conta.
“O diagnóstico oncológico pode causar ao paciente e aos familiares um importante impacto emocional, que, ao longo do tempo, pode permanecer ou ser amenizado, tendo em vista os recursos de enfrentamento individuais”, explica a psicóloga Eliane Espanha Laurito, do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp).“A pessoa diagnosticada se sente sem lugar no mundo”.
A psicoterapia, junto com as pessoas próximas ao paciente e o restante da equipe de cuidado, forma a principal rede de apoio.
A psicóloga explica que as sessões são um cuidado de fora para dentro, que ajuda a fortalecer os pacientes, auxilia a entender e a aceitar seu momento presente e a expressar o que sentem. Outro objetivo é restaurar a autoestima, grande aliada durante o tratamento.
Mesmo para pacientes que não têm mais a possibilidade de cura, a psicoterapia ajuda a manter a qualidade de vida e a realizar seus sonhos e desejos.
A perda do cabelo e o vídeo que ficou famoso
Depois do primeiro confronto com a doença – e do medo e incerteza que vieram com ele – Michell passou a enxergar a doença de uma maneira diferente. A primeira demonstração da nova visão veio com a perda dos cabelos, que costuma ser um marco na trajetória do paciente oncológico, pois é por meio dela que a doença se exterioriza e transparece.
Para raspar os cabelos, Michell fez uma festa. “Eu quis transformar o ato de raspar a cabeça, que costuma ser encarado como ruim, em algo leve. Já há muita coisa ruim no câncer, então não quis ter mais um momento assim. Já que é para passar por isso, então que seja da melhor forma possível”, conta.
E não faltou apoio à iniciativa: quatro dos 30 amigos que participaram da festa também rasparam a cabeça. “Significou muito por que eu não me senti um estranho no ninho, já que outras pessoas, que estavam saudáveis, tinham o mesmo aspecto que eu”, desabafa.
O vídeo desse momento chegou a ser exibido na TV, e a divulgação nas redes sociais criaram uma corrente de mensagens positivas e orações que, segundo Michell, o ajudaram a se fortalecer. “Foi incrível. É uma lembrança de um dia que tinha tudo para ser esquecido, mas se tornou épico”, lembra.
Assista ao vídeo:
“Foi pouca quimio para tanta gente!”: rede de apoio foi fundamental
A solidão é avassaladora, ainda mais para quem está doente. A falta de apoio extingue razões para lutar pela vida e resulta na falta de cuidados consigo mesmo.
Com isso, a imunidade – que já está prejudicada pelas terapias – é afetada indiretamente, pois o paciente deixa de se importar tanto com a alimentação, frequência de tratamento, consultas, remédios e em alguns casos passa a apresentar depressão, distúrbios de ansiedade ou estresse pós-traumático
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, estudos experimentais também mostram que quando ratos de laboratório com câncer são mantidos isolados de outros roedores, o estresse aumenta e seus tumores ficam mais propensos a crescer e se espalhar. Essas evidências, no entanto, ainda não são conclusivas.
A necessidade de acompanhantes é muito notada no caso de internações, pois facilita no processo de hospitalização e tratamento, reduzindo os danos emocionais, como o afastamento da rotina e distanciamento de familiares. Com acompanhantes, os pacientes conversam sobre diversos assuntos que não têm relação com a doença, mas quem fica sozinho sente-se mais distanciado e pode apresentar maiores fantasias e preocupações acerca do tratamento.
Michell viveu isso e afirma que o apoio de amigos e familiares foi imprescindível para que pudesse vencer o linfoma. Porém, como sempre foi otimista e muito preocupado, tentou amenizar a situação: “Eu me concentrei muito em não deixar ninguém triste ou preocupado. Tentei transmitir segurança e mostrar que estou fazendo o possível para ficar bem”, lembra.
No entanto, é preciso lembrar que cada pessoa lida com a doença de maneira individual. Caso haja muita resistência ou dificuldade em lidar com os sentimentos, é recomendável buscar auxílio psicológico.
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Após o diagnóstico, Denny teve de se afastar do trabalho de funcionário público na prefeitura de Praia Grande e se mudar para a capital paulista, visto que seu tratamento ocorreu no Icesp.
Ao longo de quase um ano, fez 12 quimioterapias que resultaram em diversos efeitos colaterais além da perda dos cabelos, cílios, barba, sobrancelhas e diversos outros pelos do corpo. “Emagreci, ficava enjoado e indisposto. Entre uma sessão e outra, tinha de tomar injeções para melhorar a imunidade, que ficou muito baixa. Também passei a andar de máscara para tudo quanto é canto e tive de evitar sair por algum tempo”, relata.
Apesar das sessões causarem mal-estar, a companhia era boa: amigos e familiares de Michell se revezaram para acompanhá-lo, o que fez com que cada quimioterapia fosse realizada ao lado de uma pessoa diferente. “Foi pouca quimio para tanta gente! O pessoal até brincava dizendo ‘Poxa, podia ter mais para eu poder ir também'”, conta aos risos.
Impacto do câncer
Em uma sociedade que eleva os padrões de beleza aos limites, a pessoa com câncer se sente totalmente fora da curva pelos efeitos das terapias na autoimagem.
“Além da perda dos cabelos, os efeitos da quimioterapia deixam a pele mais seca, alterar a cor das unhas e acarretar em cansaço e perda de peso. Já a radioterapia provoca mudanças temporárias na textura e cor da pele e, em casos mais raros, leva a queimaduras”, conta a oncologista Denise Leite, do Hospital 9 de Julho. Além disso, a retirada de partes do corpo abala ainda mais a autoestima e requer maior tempo de adaptação.
Em casos mais graves, a doença oncológica também pode causar dor física limitante e necessidade do uso de bolsas de colostomia.
Em muitos casos, o papel do paciente também é drasticamente alterado. “Por exemplo, um chefe de família com câncer , em muitas vezes precisa ser afastado de seu emprego e adaptar-se a nova condição de ser cuidado por sua família, ocorrendo uma inversão de papeis que, muitas vezes, o faz pensar que não tem mais as capacidades e potencialidades que tinha anteriormente. O que não é verdade”, ressalta a psicóloga Eliane Espanha Laurito.
Além dos sentimentos, a baixa autoestima prejudica o tratamento pois culmina em negatividade e pensamentos como “Pra quê vou me tratar se não vou conseguir melhorar mesmo”. Já a pessoa com a autoestima fortalecida tem o desejo de retomar sua vida, voltar a trabalhar e encontrar os amigos, o que a leva a seguir à risca os cuidados indicados pelo médico.
“EU VENCI O LINFOMA”
https://www.facebook.com/michelldrossi/videos/1268900363142798
A notícia da cura veio no fim de julho de 2016 após o exame Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitrons (PET), que detecta tumores. “Essa guerra acabou hj. E sim, EU SAÍ VITORIOSO. EU VENCI O LINFOMA. EU VENCI O CÂNCER!!!”, postou Michell em seu perfil no Facebook.
Hoje, com 30 anos, Denny está curado do linfoma, mas faz tratamento contra asma, que adquiriu em decorrência da quimioterapia. Ele ainda passar por exames a cada três meses e tem de ir ao hospital mensalmente para fazer a limpeza do cateter que usava para o tratamento. O acesso será mantido por cinco anos para evitar um novo procedimento de inserção caso haja recidiva da doença.
Questionado sobre a chance de retorno do tumor, ele responde que não fica “encanado” com a possibilidade, pois isso só faria mal para seu psicológico.
Vida após o câncer
“Sobrevida” é o termo utilizado para pessoas que sobreviveram ao câncer após determinado período, que costuma ser de cinco anos. Essa nomenclatura se refere tanto a pacientes curados quanto aos que ainda apresentam a doença. Apesar de ser usado por médicos, a palavra não mostra suficientemente o real significado de ter um tumor: uma vitória que transforma todos os aspectos da vida.
“Eu me considero abençoado por ter passado por todo o processo do câncer. A forma como encaro a vida é diferente. Hoje, dou mais valor para coisas que não ligava tanto e menos para as que me importava muito. Também tracei um plano de vida e estou fazendo o que sempre tive vontade”, conta Michell.
Para Michell, a doença fez com que sua família se unisse e o otimismo acelerou sua cura: “Se lamentar não leva a nada de positivo, só negativo. Já aceitar o problema permite que enxerguemos soluções para lidar com ele”, ressalta.
Até hoje, o funcionário público recebe mensagens no perfil do Facebook e em sua página Otimismo com Câncer – Linfoma de Hodgkin. Muitas pessoas que acabaram de descobrir a doença o procuram para tentar enxergar o lado positivo.
Nestes casos, Denny costuma mostrar que o tumor não deve ser visto como algo gigante, mas sim como mais um problema na vida: “É mais uma barreira que deve ser ultrapassada. Na hora que você descobre, é difícil enxergar, mas a parte ruim da doença é passageira e os benefícios ficam para a vida inteira”.
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