O homem do ônibus

Assim que desço na Rodoviária do Rio de Janeiro, apreensiva, corro para tomar o ônibus para Vitória, exausta, só penso em relaxar o corpo. Para minha infeliz surpresa, meu relógio está adiantado quase uma hora. E aqui fico em pé, encostando-me aqui e ali brigando com a exaustão.

Para despertar, fico atenta aos acontecimentos. Um casal, pela aparência veio do interior, cheio de filhos, em idade muito próximos uns dos outros, deixa-os em desespero. Os maiores, numa faixa de idade de 10 e 12 anos correm de lá, para cá, os do meio brigam por um saco de chips; o pai com outro no colo e a mãe dando de mamar no peito a uma menininha. Não sabendo como controla-los, o casal briga com todos ao mesmo tempo. Aflita, viro o rosto para não ver o transtorno deles, distraio-me vendo gente chegando por todos os lados.

Dois sujeitos do tipo caubói passam por mim e seguram meus cabelos. De rabo de olho, quase sem reação, penso: – Ai, meu Deus, será que esse pessoal vai tomar o mesmo ônibus que o meu? E ainda vou ter que agüentar oito horas de viagem. Gostaria de ter dinheiro para voltar para Vitória de avião.

Assim que o ônibus encosta, sou primeiro a colocar a bagagem no bagageiro e entro no ônibus em disparada. Com toda as minhas forças vibrei que o meu vizinho não aparecesse, mas por outro lado, como poderia desejar que alguém perdesse o ônibus? E pedi perdão a Deus.

Sentia-me exposta, violável, sem saber se meu companheiro da poltrona é homem ou mulher. Mesmo cansada não conseguia relaxar vigiando a cada um que entrava. Está quase na hora do ônibus sair e nada de chegar o meu companheiro de poltrona. Apagam as luzes para o ônibus dar a partida, meu coração salta de alegria: – Que sorte!

Aproveitando a penumbra estico as pernas na poltrona do vizinho, quando entram dois homens; um vai para o banheiro e o outro se senta na frente. Suspiro, aliviada. Não virá.

Acende a luz, o ônibus prossegue seguindo para a ponte Rio-Niterói, despreocupada, confortavelmente, delicio-me com aquela magnífica paisagem; a orla iluminada refletida no mar, à direita a exuberante Ilha Fiscal.

Assim que passamos a ponte às luzes se apagam e recosto-me para dormir. Neste momento, um barulho de porta se abrindo, chama-me atenção. O homem que tinha entrado no momento da partida sai do banheiro e segue em minha direção. Meu sexto sentido diz que é o meu vizinho de poltrona e desço o pé. É ele mesmo. Um homem grande. Não dava para ver o seu rosto. Senta-se tomando quase todo o espaço. Tento discretamente baixar o braço da cadeira e não consigo. Ele de olhos fechado e braços para cima da cadeira, não se movimenta. Delicadamente, empurro-o e desço o braço da cadeira. O sono bate forte, viro-me de um lado para o outro, tentando ajeitar-me, mas a cada virada, minhas costas, meu braço ou cabeça encosta-se no homem e me encolho.

Após a luta, vencida pelo cansaço, adormeço. Não sei por quanto tempo dormi, na verdade, nem sei se dormi ou cochilei e acordei com uma pancada na cabeça. Assustada, procurei o que tinha me batido e não vi nada suspeito. Virei-me de costas e voltei a relaxar. Novamente, uma pancada no braço. Pulei na cadeira e aborrecida, olhei para o meu vizinho que continuou imóvel. Dali em diante com os olhos semicerrados fico vigiando o que estaria acontecendo e cochilo. Acho que dormi um pouco mais e na madrugada, outra pancada na cabeça. Desta vez mais violenta. Sento-me e com vontade de chorar, sinto o local da pancada dolorido. Passo uma boa parte da viagem virando-me de um lado para o outro, imaginando o que estaria acontecendo. Olho para o homem que continua a dormir profundamente e seus braços permanecem imóveis em cima do encosto da cadeira. Confusa, sem saber o que pensar, faço uma prece e serro os olhos. Mas não consigo dormir e de repente, vejo uma sombra vindo em direção a minha cabeça e num reflexo esquivo-me de algo que desce rápido e pesado. Era o braço do meu vizinho. Naquele momento, senti raiva e reagi, empurrei por várias vezes seu cotovelo com o meu braço para ver se o acordava para reclamar e ele não movia um músculo. Minha raiva foi aumentando e comecei a falar baixinho sem parar, de repente, o homem levantou o braço quase batendo no meu rosto e voltou para o encosto. Era um pesadelo!

Não tive mais tranqüilidade. Quem poderia ser esse homem? Seria um maluco tarado? Um doente mental? Um fugitivo da polícia? Quando ele entrou, o ônibus estava na penumbra para dar a partida e ele foi direto para o banheiro só saindo após estarmos mais distantes do Rio. E o medo começou a povoar minha mente. Queria sair dali e sentar-me em outra poltrona, mas o ônibus estava lotado. E se eu ficasse sentada ao lado do motorista? Mas como poderia sair dali? As pernas do homem estavam tomando todo o espaço, nem se eu quisesse ir ao banheiro, poderia e pensei, ao chegarmos a Campos, converso com o motorista e continuo a viagem, nem se for sentada na escada do ônibus.

Acendi a luz direcionada é olhei as horas, era 3 horas e 25 minutos e já tínhamos passado por Campos e eu devia estar naqueles pouquíssimos momentos, de sono. Neste momento foi como se um trator tivesse passado por cima. Devia estar muito cansada, para não perceber o ônibus parado. Senti-me como se fosse uma condenada à tortura. A minha cabeça começou a divagar. Olhei para os braços do homem em cima do encosto da cadeira e recordando a movimento de seus braços, parecia ser de uma marionete descendo em cima de mim, pensei que poderia ter alguma anomalia nos braços e cheguei mesmo a sentir piedade.

Precisava dormir um pouco, minhas nádegas estavam dormentes de tanto ficar numa posição só vigiando o braço do homem. Novamente adormeci e minha cabeça pendeu para debaixo de seu braço e levei outra pancada. A raiva foi tanta que comecei a gritar. Segurei no braço dele e joguei-o de volta em cima do braço da cadeira. E o homem nada, não manifestou qualquer reação. Foi ai que comecei a me apavorar para sair dali. Quase chorando, achava que estivesse fazendo de propósito, perseguição. Meu Deus, esse homem entrou no escuro, sentou-se após sairmos da cidade e com o ônibus escuro. Ele só podia ser fugitivo de algum hospital de doente mental. E o desespero foi crescendo, quase chegando ao pânico.Não sabia o que fazer. E assim passei toda à noite, ansiosa.

O dia clareando, lá estava eu, acordada olhando entre o rosto do homem e as pernas, esperando uma oportunidade de sair dali, assim que ele acordasse ou mexesse com as pernas.

Devido à claridade, os passageiros começaram a acordar. Quando chegamos a Guarapari, saltou um casal que estava sentado na primeira fila. Com medo que alguém pegasse o lugar, não pensei duas vezes, saltei por cima das pernas do homem sem a preocupação de acorda-lo. E assim o fiz; coloquei-me em cima da cadeira e dei um pulo no corredor. Assim que me ergui, senti como se meus ossos tivessem todos quebrados e soltei um gemido de dor. Sob olhos, estiquei meu corpo, puxei meus braços ouvindo minhas juntas se estalarem. Neste momento, o ônibus deu uma freada brusca e lá fui eu em cima do meu vizinho de poltrona. Sem querer, dei-lhe uma pancada com meu cotovelo em seu rosto e levantei-me espantada, de qual seria sua reação. Minha surpresa foi grande, o homem abriu os olhos, resmungou. Por minha vez, mesmo sem conseguir acordá-lo, me senti vingada correndo para a poltrona da frente. Sentei-me e olhei para trás e peguei quando o braço dele estava descendo do encosto da poltrona com tanta violência que deve de tê-lo machucado, porque gemeu. Novamente vingada, acomodei-me nas duas cadeiras e pude dormir tranqüila, uma hora até o meu destino.

Ao acordar, a primeira coisa que fiz foi olhá-lo. Estava curiosa, queria vê-lo acordado, como se comportava e encará-lo. Será que ele lembrava do ocorrido? Arrumei rapidamente minha bolsa e saí do ônibus para esperá-lo no bagageiro. O homem desceu, não era muito grande, mas tinha braços e pernas grossas, musculatura bem definida. Olhei-o no rosto e ele tentou rir para mim mas não consegui fazer uma cara boa para ele. O homem ficou sem graça e abaixou a cabeça. Eu, toda dolorida de suas pancadas, senti o prazer da vingança, sai de cabeça erguida fui embora destroçada, louca para chegar em casa e dormir o dia inteiro.

Assim que cheguei em casa tomei banho, deitei na cama e relaxada comecei a gargalhar lembrando do homem do ônibus.