Ocupando o território

Foi-se o tempo em que se namorava apenas no sofá da sala. Hoje em dia é mais do que comum namorar no quarto, cozinha, até no banheiro da casa do eleito, portas abertas 24 horas por dia, sábados, domingos e feriados. Ou seja, mesmo sem marcar a data do casório, os pombinhos já unem as escovas de dentes e ensaiam como é morar juntos. Começa dormindo na casa do namorado uma vez por semana, depois, duas, três e, quando se dá conta, já está dormindo lá mais do que na própria cama. Para não ter que repetir a calcinha no dia seguinte, ou usar a camisa dele emprestada, parece justo tomar espaço no guarda-roupa do moço. O problema é quando a cara- metade não quer saber de ceder nem um décimo do armário. É você que está bancando a espaçosa ou ele é que não arreda uma camiseta pra lá para caber a sua?

Aconteceu com a estudante Carla Videira, de 24 anos, que namora há um tempão. Ela é convidada para dormir na casa do namorado diversas vezes por semana, mas um lugarzinho pra guardar suas roupas no armário que é bom, nada! “Eu vivo com as roupas socadas na mochila, jogadas num canto do quarto. Ele não quer nem saber e alega que o armário é pequeno e que mal cabem as roupas dele”, relata a estudante, que luta há meses pelo sonho da gaveta própria. Segundo Carla, o assunto virou piada entre os amigos que já estão acostumados a ver a menina com as roupas amassadas ou com a mesma blusa do dia anterior. “A gente brinca, mas fico chateada. Não entendo porque ele não cede de uma vez e me faz esse agrado. Eu só queria uma gaveta pequena!”, desabafa Carla. O máximo que conseguiu foi deixar a escova de dentes na bancada do banheiro. “Se ele não deixasse nem isso, já seria demais, né? E o maior prejudicado pelos efeitos da falta de escova seria ele mesmo”, argumenta ela.

Uns com tão pouco, outros com tanto. A jornalista Maria Cláudia contou com a boa vontade do namorado logo no início do namoro. “Ele perguntou que sabonete eu gostava, xampu, pasta de dente e comprou tudo pra eu me sentir em casa. Daí sugeriu que eu levasse roupas pra casa dele para uma emergência. Só que esse kit de emergência tem de tudo: camisola, short, vestido, biquíni, tênis”, conta Maria, que ganhou uma porta do armário só pra ela. A jornalista vê a postura do namorado como sinal de compromisso e vontade de passar muito tempo com ela. “Eu fico superfeliz. Tenho tudo lá e só tiro pra botar e lavar. Depois, levo cheiroso pra casa dele de novo”, diz ela, que não gosta nem de imaginar que o namoro possa um dia chegar ao fim. “Se isso acontecer, vou ter que levar uma mala pra tirar todas as minhas coisas do apartamento. Além de roupa, tem livro, DVD… ia ter que fazer várias viagens”, afirma.

Quem pensa que ganhar uma gaveta é uma bela prova de amor, espere até ouvir o que a promotora de eventos Mila Garcia tem a dizer sobre o assunto. “Lógico que tive que dividir o armário e as gavetas com meu namorado, mas é algo contra a minha vontade. Depois de um tempo, a pessoa vai deixando uma roupa por dia, ou deixa a mala quando chega de fim de semana. Aí ou você cede espaço para que exista uma organização, ou tua casa vira uma zona”, diz Mila, um exemplo de praticidade. Mas ela não tem coração de pedra, não. “Meu ex tinha mais lugar no armário que eu. Quando vi, minhas roupas estavam todas socadas pra dar lugar as camisas dele. Chegando nesse estágio, o negócio é assumir que você realmente curte a pessoa e quer ficar com ela o maior tempo possível”, teoriza.

Mas não pense você que ocupar território no apartamento do seu namorado é só bem-bom, não! Quem luta por um espaço maior no armário tem que assumir outras responsabilidades da casa também, como faz a arquiteta Vânia Teixeira. “A gente sempre via filmes no DVD, até que o aparelho quebrou. Como uma das principais interessadas, propus que nós dividíssemos o preço do novo. Ele topou e a gente brinca que já estamos fazendo nosso enxoval”, conta a arquiteta. A jornalista Maria Cláudia faz o mesmo. “Não é só aproveitar o espaço do namorado, procuro pagar a conta do mercado de vez em quando e arrumar a bagunça que a gente faz pela casa”, diz ela.

O psicólogo especialista em relacionamento amoroso Ailton Amélio da Silva afirma que saber até onde entrar na intimidade do outro é uma questão comum em todo tipo de relacionamento. “Quando a gente vai na casa do vizinho, parente ou amigo, não sabe se pode abrir a geladeira, botar o pé no sofá, dormir depois da refeição… Isso tudo faz parte de uma negociação, em que ambos devem sair satisfeitos. A parte que se sentir invadida tem que impor limites e a pessoa que é invasiva demais deve tentar se controlar, quando perceber que está forçando a barra”, explica o especialista. Então, o jeito é sentar e conversar com o parceiro até chegar a um acordo? “O casal tem que se entender, não dá pra tentar adivinhar o que o outro pensa. Além de conversar, é bom prestar atenção nas dicas que o outro dá, mesmo sem perceber: se ele é insistente nos convites, mostra-se receptivo a sua chegada ou oferece espaço no guarda-roupa”, exemplifica o psicólogo, ressaltando que o tema e mais complicado do que se pensa, pois envolve limites, que é uma das dificuldades da vida em comum. No entanto, o psicólogo ressalta que eles são necessários para não asfixiar o relacionamento. Em outras palavras: se você notar que não é apenas o seu vestido que anda amassado demais, significa que o território pode estar pequeno para os dois.