Ele foi o carro mais vendido da história, superando o pioneiro Ford Modelo T. O Volks Sedan, conhecido por nós simplesmente como Fusca, é definitivamente um inspirador de paixões. O simpático besourinho é lembrado com um misto de afeto e nostalgia. Designado para ser o automóvel número 1 da Alemanha dos anos 1930 (Volkswagen 1, em alemão), conquistou o mundo e se tornou o mais popular do planeta durante todo o século XX, ao longo dos 65 anos em que foi fabricado. Para nós, brasileiros, o Fusca sempre teve algo a mais.
Muito embora tenha sido desenvolvido para as massas, o fusquinha carrega nas veias sangue nobre. “Veio da criação de um austríaco naturalizado alemão, Ferdinand Porsche, que depois do sucesso do projeto do Fusca criou a sua própria fábrica, a atual Porsche”, narra Tiago Songa, especialista em automóveis da Federação Brasileira de Veículos Antigos. Segundo ele, a ideia de um veículo popular era ainda mais antiga, mas o projeto só foi aprovado pelo governo alemão em 1937, pelo então chefe de estado Adolph Hitler. O primeiro financiador do projeto foi o ministério da Fazenda da Alemanha nazista, a KDS.
De cara, o Fusca caiu no gosto dos alemães, mas, com a guerra, a produção foi interrompida. Ao final do conflito, a Alemanha vivia sob intervenção inglesa e, como conta Songa, foi justamente um destes interventores que viu o potencial do projeto do Volkswagen: “A primeira encomenda partiu de um interventor inglês que pediu a produção de 10 mil unidades. Seriam usadas pelos soldados ingleses na Alemanha”. A partir daí, o Käfer (besouro, em alemão) foi conquistando o coração dos europeus, que mantiveram o apelido de besouro, palavra que seria traduzida posteriormente para uma infinidade de línguas.
No Brasil, ele chegou em 1950. E veio para ficar. “A Brasmotor foi a responsável pela primeira encomenda de Fuscas para o Brasil”, lembra o estudioso. A primeira montadora chegou três anos mais tarde, e a linha de montagem de estreia em terras brasileiras se deu em 1959. “A partir daí começou a relação diferenciada entre nós e o Volks Sedan”, diz. Volks Sedan? É isso mesmo! Esse é o nome original do nosso amado fusquinha.
“Fusca foi um apelido dado pelas colônias alemãs do Paraná. Lá ainda se comunicava em alemão, e o Volks tinha o som de ‘ Fulks‘. Disso, para ‘Fuca’ foi um pulo”, revela Songa. Apesar da popularização do apelido e até da utilização dele na imprensa especializada, o nome só foi aceito oficialmente pela Volkswagen do Brasil em 1983.
” O Fusca nunca deixa você na mão” é um dos lemas bradados por aficionados. “Ele anda com dois cilindros, debaixo d’água, foi criado para passar pelos maiores sufocos, isso vem no DNA dele”, exclama o empresário Abel Drummond, que já guiou mais de uma dezena dessas belezuras. “O Fusca é uma delícia”, derrete-se. Essa relação de afeto se prolonga ao longo dos anos e torna o automóvel um companheiro para todas as horas. “Eu perdi a minha virgindade no banco de trás de um Fusca. É um espetáculo”, diverte-se Abel.
Apesar da fama de valente e durão, o Fusquinha tem linhas arredondadas e é pequeno, o que também faz arrebatar os corações de muitas mulheres. “Ele é um carro simpático, agrada a todos. Mas tem um quê mulherzinha muito forte por ser arredondado e compacto. Tem todos os atributos de uma mulher: personalidade forte e marcante por onde passa”, destaca a empresária Leslie Diniz.
É tão feminino que Leslie passou a ter o queridinho como hobby. “Eu já tive três, apelidados carinhosamente de ‘Estilosos’. Gosto de fazer modificações, colocar o meu toque para ele ficar com a minha cara. Os meus sempre foram no estilo saia e blusa”, orgulha-se. O estilo saia e blusa foi uma linha de montagem, no final dos anos 1960, que trouxe o modelo em duas cores, apelidado carinhosamente com os itens do look feminino. “Eu tenho muitos carros, mas não largo os meus estilosos”, exclama.
Aliás, essa mania de dar nome ao Fusca é recorrente. Bia e Branca, as atletas gêmeas do nado sincronizado e atualmente apresentadoras da MTV, resolveram juntar o primeiro dinheiro, fruto da participação nos Jogos Panamericanos de 2007, para comprar a Daphine. “A gente queria ter um Fusquinha rosa e não podia deixar de colocar um nome, coloco nome em tudo o que é meu. É muito charmosinho e fofo. Nós adoramos”, orgulha-se Bia. Já a atriz Mayara Duarte quis realçar ainda mais a doçura do seu besouro. “Dei o nome de Maçã do Amor. Ele é vermelhinho da cor da maçã. Algumas amigas me sugeriram batizar de Maçã Envenenada, mas queria algo mais meigo”, lembra.
Outra máxima dos apaixonados é a de que foi ‘o primeiro carro de todo brasileiro’. “Quando fiz 18 anos e tirei a licença, o Fusca era o único carro que eu poderia dirigir. Assim me apaixonei, não tem muita explicação. É simplesmente um amor que vai crescendo. Sem contar no estilo que é dirigi-lo. Ele combina perfeitamente comigo”, declara Mayara Duarte. A paixão pelo veículo deu origem a inúmeros clubes e virou tema de uma série de filmes nas telonas, sendo o mais famoso deles “Se meu fusca falasse”(“The Bug Love”, 1969). O primeiro clube do país foi criado em 1985, o Fusca Clube do Brasil, onde está reunida boa parte desses entusiastas.
A Volkswagen do Brasil encerrou pela primeira vez a linha de montagem do automóvel em 30 de outubro de 1986, com a série prata. “A ideia era que o Gol substituísse o Fusca. Por isso, eles lançaram um lote de 750 unidades com chave banhada a ouro, número de série estampado no vidro e numa placa comemorativa”, conta Songa.
No entanto, um acordo político no governo Itamar Franco levou a VW a voltar a fabricar, entre 1994 e 1996, o modelo, que ficou conhecido como o ‘Fusca Itamar’, com alguns detalhes diferenciados. A produção se encerrou de vez no país em 1996 com a série ouro. No mundo, a última fabricação aconteceu em 2003, no México. A partir daí, o besourinho só ficou na memória e nos exemplares remanescentes de quem até hoje não abre mão de sua paixão.