Superstição

No meio da rua tem uma escada. O que você faz? Segue seu trajeto, passando por baixo dela, desvia, ou nem percebe a tal escada? Acredite, tem muita gente optando pelo caminho mais longo só para não dar chance ao azar (ai, isola com três batidinhas na madeira). Mas calma aí, quem falou que passar por baixo de uma escada dá falta de sorte? As superstições, apesar de serem levadas a sério por muitos, têm explicações desconhecidas pelos que as seguem. Então, munidos de pés de coelho, ferraduras e trevos, vamos tentar entender o porquê de tais crendices.

O antropólogo Dimitri Camiloto explica que as superstições surgiram da necessidade de se controlar as circunstâncias. “Quando o homem começou a ter consciência dos fenômenos naturais, e de que as coisas não seguem necessariamente uma linha reta, percebeu que é refém das condições da natureza. Isso causou um impacto psicológico grande. Para lidar com essas incertezas, e com a ansiedade que a dúvida traz, começou a desenvolver rituais. O homem acredita que através de superstições possa controlar os resultados. Tudo isso está muito ligado ao pensamento mítico, mas também existe um componente cultural”, avalia o antropólogo.

Superstições não passam de crenças, mas podem se expressar de diversas formas. “Pode ser tanto uma prática – que envolva um ritual –, um interdito, na tentativa de se evitar alguma coisa, ou mesmo um amuleto que se carregue. Mas todas elas pressupõem a obtenção de benefícios”, lista Dimitri. O que se vê hoje, portanto, é uma sopa de histórias e informações pescadas nas esquinas da vida. “No passado, as crenças eram mais reduzidas e homogêneas. Hoje, virou uma mistura. As pessoas nem sabem o porquê de repetir determinado ritual. Pode ser uma questão comportamental, mera repetição ou hábito, sem que haja conexões profundas”, acrescenta.

Sete anos de azar

O desespero bateu quando o espelho foi ao chão, quebrando-se em mil pedacinhos? Calma, não há porque preocupar-se. A tal história de que quebrar um espelho daria sete anos de azar surgiu durante a Idade Média. Nada mais do que uma tentativa dos ricos europeus em fazer com que seus servos fossem mais cuidadosos na hora de poli-los. Atrás de explicações um tanto quanto curiosas para as superstições, procuramos a jornalista e bruxa Eddie Van Feu, estudiosa de mitos e de seus significados. “Algumas não passam de boatos, outras de corruptelas da língua, mas quem as segue não faz idéia de onde tenham surgido. Como quando se diz que tomar leite com manga faz mal. Calma aí, não existe sorvete de manga? Na verdade, esta superstição foi criada por senhores de escravo, que não queriam que os escravos comessem as mangas do pomar, nem tomassem o leite das vacas”, desvenda Eddie. Uma verdadeira maldade para controlar a gula.

E as confusões não ficam por aí. “Quem, quando pequeno, escutou dizer que a mãe morreria se deixasse no armário roupas do avesso, ou o chinelo virado no meio do chão? Nada mais do que um pretexto para evitar a bagunça”, conta Eddie. Mas funciona que é uma coisa! Afinal, que criança vai arriscar ver a mãe morta? Já a crença de que passar por baixo da escada daria azar, não passava de precaução. “É uma forma de evitar acidentes. Onde tem uma escada, geralmente há uma obra. Passar por ali é correr o risco de cair alguma coisa sobre você. Mas, misticamente, não vai te prejudicar”, explica a bruxa. A não ser, é claro, que você acredite.

É exatamente na crença que se encontra o poder – e o perigo – das superstições. “Nosso pensamento é muito poderoso. Portanto, acreditar que determinada coisa irá te dar azar pode fazer com que aconteça. Este é o perigo de se tomar as superstições como verdades absolutas”, alerta Eddie. O antropólogo Dimitri Camiloto concorda. “A partir do momento em que programamos uma idéia, ela tende a acontecer. Se você acredita que o gato preto que passou na sua frente irá te dar azar, acaba dando. Em principio, as superstições não são ruins, mas podem se tornar perigosas. Se ela serve para dar segurança, não é problemática. Agora, se você se torna refém, é um perigo. Não se deve viver em função de uma crença”, diz o antropólogo. E acrescenta: “Com a religião, acontece a mesma coisa. Pode ser algo muito positivo, que transmite segurança. Só que, a partir do momento em que o ser humano dá muito poder a isso, perde o controle”.

A superstição dos sete anos de azar ao se quebrar um espelho, é um exemplo de como as crenças serviam para controlar as pessoas. “Não passa de um ordenador da vida social. Todo rito é uma forma de controle social, da mesma forma como acontece com os religiosos. A igreja diz que não se pode comer carne na Sexta-feira Santa. Isso pressupõe a idéia de sagrado ou profano, certo ou errado. Gera uma relação hierárquica”, explica Dimitri. Da próxima vez em que o espelho cair, vassoura na mão, e caquinhos ao lixo. Nada de lamentação, ou medo de passar os próximos anos na lamúria.