O peru (americano) de Natal
O peru é um dos pratos mais universais nessa data em que se comemora o nascimento de Cristo, porém emprestado dos Estados Unidos, como conta o chef de cozinha João Belezia: “Antes da colonização inglesa, os índios americanos serviam o peru, principalmente nas épocas de colheita, como uma forma de comemoração. Essa tradição foi incorporada pelos ingleses, tornando-se um costume nas datas especiais”. Na verdade, foi o peru que salvou os colonos ingleses da fome, fato que originou o tão famoso Dia de Ação de Graças, feriado americano em que a ave também é o prato principal. Mais tarde, a partir da década de 30, hábitos como comer peru no Natal foram sendo trazidos ao nosso país.
“Provavelmente a ave se tornou comum por aqui ao mesmo tempo em que vimos chegar ao Brasil aquela aura de magia da Coca-Cola, com o mítico Papai Noel da marca. Antes disso, acredito que comer peru não era uma prática tão difundida aqui entre nós”, afirma Jaime de Almeida, professor de História da Universidade de Brasília. É tudo, segundo ele, um resultado da chegada do famoso american way of life ao nosso país.
Mesmo nas vilas, a carne de porco era uma alternativa para as famílias que não podiam arcar com as despesas de uma bacalhoada
Antes, de acordo com o professor, os brasileiros estavam acostumados com o bacalhau. Quer dizer, pelo menos os mais abastados. “O bacalhau foi trazido pela colonização portuguesa, mas é interessante notar que no interior do Brasil, onde os colonos não chegaram durante muito tempo, ainda hoje se tem o hábito de comer leitão assado. Mesmo nas vilas, a carne de porco era uma alternativa para as famílias que não podiam arcar com as despesas de uma bacalhoada”, explica Jaime. A família da jornalista Thaís Castro, de Minas Gerais, é prova de que o porco ainda marca presença na mesa natalina de muita gente. “Sempre mandamos trazer uma leitoa da fazenda de Minas para assar no Natal aqui no Rio. Definitivamente não pode faltar! Todo mundo fica disputando um pedacinho da casquinha crocante”, ri.
Maria Cecília Lamartini, publicitária, conta que no Paraguai, onde viveu durante algum tempo, o rei da ceia também é o porco. “Tem rabanada também. O mundo todo gosta, não é mesmo?”, brinca. Mas a tradição é mesmo o peru. O ‘cerimonial’ de natal da família começa cedo: no final de novembro. “Geralmente, no dia primeiro de dezembro montamos a decoração natalina e os presentes vão sendo comprados ao longo do mês e deixados embaixo da árvore”, conta. Chegando a véspera do grande dia, aí sim a família compra o peru. “Preparamos sempre do mesmo jeito: com fios de ovos em volta e cerejas salpicadas. Acompanha arroz com passas e farofa”, conta.
“Mesmo estando só eu, meus pais e minhas irmãs em casa, sempre rola uma roupa arrumadinha de Natal. Aí, colocamos CD’s natalinos para tocar e a ceia é servida por volta de 21h ou 22h, não sem antes fazermos uma oração. Depois que terminamos, temos que esperar até meia-noite para abrirmos os presentes, acredita? Ninguém lá é criança, sabemos que Papai Noel não existe, mas, fazer o quê?, é assim que o meu pai gosta”, diz.
Plano B
E quem não come nem porco e nem peru? O.K., ainda tem o Chester e o tender! “Eles surgiram como variações e complementos para a ceia”, acrescenta o chef João Belezia. Um deles, inclusive, conquistou o paladar da família da dona de casa Marta Feitosa. “Aqui em casa, optamos pelo Chester, que tem uma carne mais molhadinha. O peru é muito seco”, pondera. Ceia de Natal, aliás, é coisa séria para Marta e seus familiares. “Cada um fica com a tarefa de trazer algum prato. Às vezes, marcamos um churrasco 15 dias antes da ceia para combinar o que cada um vai trazer”, diz.
Na ceia de Marta tem de tudo: bacalhoada, escondidinho… “Os que não gostam de cozinhar ficam encarregados de trazer nozes, castanhas, frutas secas, essas coisas. E, é claro, também tem muita rabanada. Natal não existe sem ela!”, conta, animada. “Esperamos dar meia-noite para começarmos a jantar, mas meu marido às vezes não se contém”, ri. Com tanta coisa gostosa, é mesmo difícil, não é? Na casa de Cristina Spineti, matemática, a história se repete. “Acho graça nos bolinhos de bacalhau, que muitas vezes não chegam à mesa, já que são devorados antes mesmo que estejamos arrumados para comer e comemorar”, diverte-se.
Já Tânia Marise Rebelo, advogada, aderiu ao tender. “Rabanadas não podem faltar, mas não tem peru nem farofa aqui em casa não! Nossa ceia tem saladas, tender e outros pratos quentes. O engraçado é que, mesmo que passemos Natal e Ano Novo fora, minha mãe deixa a mesa posta e eu até hoje não entendo, mas respeito!”, conta.
Pois é, na história da humanidade, a mesa sempre marcou território: foi lugar de celebrações, de confraternização, de acordos, de decisões políticas… Sem uma boa mesa, portanto, as festas, principalmente o Natal, não teriam o mesmo brilho e, é claro, sabor! Cada família e cultura à sua maneira, com seus ingredientes especiais e receitas “secretas” que fazem dos pratos um banquete de sucesso. Quem sabe até melhor do que os presentes…