A chegada do segundo filho vem recheada por uma variedade de sentimentos. Por um lado, os pais vivendo a emoção de ver sua família crescendo; do outro, o primeiro filho, que pode experimentar, no início, sentimentos não tão prazerosos assim. Estamos falando de ciúme.
É natural que a chegada de mais um integrante na família cause ciúme no filho mais velho. Contudo, para alguns pais, é difícil lidar com esta situação, que gera conflitos e questionamentos do tipo: o ciúme é bom ou mau? Normal ou anormal? É necessário, porém, entender o que se passa com a criança, para agir no sentido de ajudá-la a superar esta fase de forma saudável.
Este sentimento reprimido, sem a possibilidade de ser reeleborado, pode trazer conseqüências desastrosas, do ponto de vista emocional
O ciúme decorre do fato de que as crianças amam; se elas não tivessem capacidade de amar, não revelariam ciúme. Este amor, logo no início da vida, está endereçado à mãe. A criança sente ciúme então quando acredita que seu relacionamento com a mãe foi perturbado, ou ainda quando se sente ameaçada na perda da posse desta relação. Na verdade, qualquer coisa que absorva a atenção da mãe – pode ser o trabalho, estudo ou um livro – pode provocar ciúme. Porém, em geral, os primeiros ciúmes manifestam-se em torno da chegada de um novo bebê, uma vez que este monopoliza as atenções da mãe.
Neste momento, a criança tem a sensação de que o mundo inteiro parece mover seu centro para um outro ponto que já não é ela. Começa a acreditar que não lhe querem ou que lhe abandonaram. Ela sente amor e ódio ao mesmo tempo e, para ela, isso é horrível. Pode até ser que no início o filho mais velho ache interessante ver o bebê ser amamentado ou acariciado. Mas, gradualmente, dá-se conta de que não é ele, mas um outro que está ali, e o amor que a mãe sente por este pequeno ser pode produzir nele extrema raiva. Raiva do bebê, raiva da mãe, raiva do pai, raiva do mundo!
Este estado de conflito agudo, ou seja, de ciúme pode ser expresso de várias formas. Por exemplo, não é raro vermos crianças tentando reintegrar-se no papel de bebês, mesmo que apenas de uma certa maneira ou por pouco tempo. Então, costumam aparecer condutas regressivas como não querer comer sozinho, querer mamar, voltar a fazer xixi na cama, utilizar linguagem ou tom infantil… Enfim, vale tudo para chamar atenção das pessoas cujo afeto teme ter perdido e a melhor maneira encontrada pela criança é se comportar como aquele “pequeno”, que agora é o centro das atenções.
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Podemos ainda observar outras reações, tais como: a criança com ciúme mostrar-se irritada, nervosa e agressiva. Tudo é motivo de birra, má-criação e escândalos, nada a agrada, vive o “jogo do contra”, ou ainda pode fechar-se sem querer conversar ou brincar com ninguém. Neste momento, é comum os pais se verem diante de mais uma dúvida: O que fazer? Como agir? Vale ressaltar que, independentemente da modalidade encontrada pela criança para se expressar, ela está falando através de suas atitudes, sobre sua dor, seu sofrimento por achar que perdeu o amor dos pais.
Portanto, é importante entender que o ciúme é uma emoção inevitável e necessária para o desenvolvimento do ser humano. Desta forma, tudo o que os pais precisam fazer é oferecer um ambiente confiável, onde seu filho seja compreendido nesta comunicação tão distorcida que pede amor ao mesmo tempo em que expressa uma dor que pode não estar sendo ouvida ou correspondida.
Parece lógico, portanto, que a repressão ou as broncas diante das atitudes “inadequadas” do filho, neste contexto de ciúme, não representam ações favoráveis ao seu desenvolvimento, visto que podem ser interpretadas por ele como um reforço aos seus sentimentos de não amor. Agindo assim, os pais estariam tentando aplacar o sintoma, não a causa e, desta forma, sem perceber, impedindo a criança de falar o quanto se sente excluída na relação com os pais. Este sentimento reprimido, sem a possibilidade de ser reeleborado, pode trazer conseqüências desastrosas, do ponto de vista emocional.
Não se trata de deixar a criança fazer a birra que quiser ou bater nas visitas, trata-se de agir para sinalizar que estas atitudes não são aceitáveis. Isso só não basta! É esperado que o adulto tenha muito mais recursos para suportar essas angústias e ajudar a criança a aproveitar essa oportunidade para aprender a lidar melhor com seus sentimentos e estreitar os laços familiares.
Para que a criança tenha certeza de que não perdeu o amor dos pais, e que é possível amar seu irmão, é importante que tenha momentos de carinho e lazer a sós com os pais, que alguns cuidados especiais se façam presentes, como valorizar suas conquistas e produções, assim como cuidar para que não se sinta abandonada ou preterida quando todas as atenções estão voltadas para o irmão.
Da mesma forma é importante aproximá-la do irmão, ajudando, na medida do possível, nos cuidados do menor. Assim, gradativamente perceberá que pertencem ao mesmo núcleo e seu lugar em relação à mãe e ao pai continua intacto.
Certamente o ciúme aparece em vários outros momentos da vida do ser humano, envolvendo outras situações, pois é próprio de quem ama, mas se a criança teve a oportunidade de elaborar este sentimento ainda na relação com a mãe, mais tarde, quando ele reaparecer, não será mais visto como ameaça da perda do objeto amado, permitindo assim que o sujeito sinta-se seguro para lutar por suas conquistas e ideais.
Márcia Mattos é psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.