No mundo ideal, as crianças fariam festa ao ver beterraba, cenoura e alface colorindo o prato do almoço. Implorariam para repetir a salada e não pediriam mais nada além de uma maçã para sobremesa. Toda mãe sabe, porém, que na vida real as coisas não são simples assim e, quase sempre, é preciso travar uma guerra diária em prol da boa alimentação dos pequenos. A preocupação com a dieta balanceada dos filhos tem fundamento: evitar o excesso de gorduras e açúcares – que vêm junto às batatinhas fritas, salgadinhos e doces de que eles tanto gostam – é um passo importante para manter os filhos sempre no peso ideal. Longe de ser um cuidado estético, o ganho de peso descontrolado pode levar à obesidade infantil, problema que deve ser encarado com seriedade pelos pais.
Se antes, ver uma criança rechonchuda era a alegria das avós, hoje os quilos a mais representam um perigo à saúde dos pequenos. A obesidade infantil, vista como uma epidemia por especialistas, atinge parte expressiva da população nesta faixa de idade em todo o mundo. No Brasil, já são seis milhões de crianças e adolescentes acima do peso. Segundo o IBGE, em apenas 30 anos, o número de crianças e adolescentes do sexo masculino acima do peso subiu de 4% para 18% no país. Entre as meninas, o salto foi de 7,5% para 15,5%.
O principal fator para o ganho de peso hoje é o cultural. Há falta de exercício e excesso de alimentação errada
Mundo moderno e menos saudável
O estilo de vida moderno vem contribuindo muito para esse cenário. Os alimentos tradicionais como arroz, feijão, carne e salada foram sendo substituídos por refeições de alto valor calórico que nem sempre possuem o valor nutritivo apropriado. “O principal fator para o ganho de peso hoje é o cultural. Há falta de exercício e excesso de alimentação errada”, explica o Dr. Paulo Olzon Monteiro, chefe da disciplina de clínica médica da Unifesp. Como exemplo, ele cita o consumo de margarina e de carboidratos simples em exagero. Presentes em alimentos como arroz e farinha, eles têm absorção rápida pelo organismo, fazendo com que o pâncreas produza mais insulina do que necessário. O resultado é um quadro de hipoglicemia, que provoca aumento do apetite e cansaço, limitando a prática física.
A facilidade das comidas congeladas e o apelo das redes fast-food ajudaram a modificar os hábitos alimentares das famílias e, em conseqüência, das crianças. No lugar de água, suco ou leite, passou a imperar na mesa o refrigerante, bebida barata e que faz um enorme sucesso entre os pequenos. As porções também aumentaram. No cinema, o saquinho foi substituído por baldes de pipoca individuais. Os biscoitos vêm em pacotes cada vez maiores e as bebidas são oferecidas em embalagens de dois litros ou mais.
A mudança na dieta afetou todas as classes sociais. Nas mais abastadas, ficou simples ter acesso a alimentos industrializados, salgadinhos e lanches calóricos. Nas mais pobres, passou a pesar o fato de alimentos energéticos, como pão e macarrão, terem se tornado mais baratos que os mais saudáveis e nutritivos, como frutas, leite e carne.
Especialistas afirmam ainda que esse não é o único fator para o desenvolvimento da obesidade. Há ainda os fatores genéticos. O peso da mãe durante a gravidez também determina se a criança terá tendência à obesidade na infância. Engordar muito durante a gestação, favorece o desenvolvimento de tecido adiposo, ou seja, de gordura, no primeiro ano de vida da criança. Outro fator de risco é a mãe ser diabética. Em geral, seus filhos já nascem com peso exagerado. A hipoglicemia da mãe estimula o pâncreas da criança a liberar mais insulina e a tornar-se mais sujeita a desenvolver diabetes e com tendência à obesidade.
Problemas de saúde e de auto-estima
O excesso de peso durante a infância pode trazer diversas complicações à saúde, problemas que tendem a persistir até a fase adulta, como alterações nos níveis de colesterol, diabetes tipo 2, apnéia do sono, asma, puberdade precoce e ovários policísticos nas meninas. A obesidade é resultado do excesso de oxidação do organismo. Traz desde problemas como colesterol até maior incidência de câncer. E afeta tanto adultos quanto crianças. O excesso de peso traz ainda problemas à vida social da criança, que por ser gordinha, acaba sendo descriminada pelos amigos.
Ao contrário do que muitos pensam, no entanto, o ganho de peso descontrolado pela criança pode ser sinal de que a auto-estima da criança estava abalada previamente. “Ela está com um problema, mas não sabe como sinalizá-lo e escolhe a comida. Poderia fazê-lo de outra maneira, tornando-se uma criança rebelde ou, no outro extremo, negando-se a comer, e se tornando anoréxica”, explica a terapeuta familiar Ana Beatriz Macedo.
Segundo ela, quando uma criança está com problemas de obesidade é sinal de que a família está desestruturada de alguma maneira e, além de tratar do sintoma específico, fazendo com que perca peso, é necessário também detectar o que ocorre no âmbito familiar e contribui para o problema da criança. “Se eu digo a ela que não pode comer com exagero e deve comer saladas, mas ofereço batata frita no jantar, estou compactuando com aquela situação. Se os hábitos da família mudam, é claro que ajuda”, observa a terapeuta.