No meio de uma discussão acalorada, lá está ela, impassível, como se estivesse discutindo uma receita de bolo. O namorado deu um pé na bunda? Nem parece, pois ela continua ali, tranquilamente, digitando um texto que parece nunca ter fim. Considerada pelas amigas a mais sábia, ela nunca perde a calma, independentemente de um turbilhão estar acontecendo à sua volta. Boazinha, aceita tudo com muita passividade. Todo mundo conhece ela. É aquela menina que, invariavelmente, é apelidada de sangue de barata. Mas o que será que há por trás de tanta frieza e falta de atitude? O que será que faz essas pessoas tão diferentes da maioria dos mortais, que se descabela por uma bobagem, entra em pânico por causa de um trabalho difícil ou passa noites e noites infernizando as amigas ao telefone porque levou um fora do pretendente? Na verdade, as diferenças são poucas, o que muda é a forma como as emoções são expressadas.
Coração de gelo, nervos de aço e, claro, sangue de barata foram alguns dos apelidos que a estudante de Biologia Juliana Oliveira vem colecionando ao longo dos seus 21 anos. Não muito dada a demonstrações públicas – seja de afeto ou raiva – Juliana conta que seu comportamento não é muito bem visto pelas pessoas. “Sempre sou acusada de ser fria, de não demonstrar sentimentos. Não consigo ser grosseira, ficar fazendo tempestade por qualquer coisa. Não combina comigo esse tipo de atitude”, comenta Juliana. Por trás da aparente calma, no entanto, a estudante admite que sofre e sente raiva como a mais transparente das pessoas. “Certa vez, tive uma decepção muito grande ao ver o cara que estava a fim com outra garota, amiga nossa. Agi normalmente e até brinquei sobre o fato de eles estarem juntos, mas, por dentro, estava me corroendo”, conta, em um dos raros momentos de transparência, a estudante.
As meninas que têm o sangue daquele inseto nojento correndo nas veias, na verdade, sofrem muitas vezes de excesso de emoções e não o contrário, revela a psicóloga Tânia Pacheco. Segundo a profissional, seja por causa de uma educação repressora, por uma desilusão amorosa ou por personalidade mesmo, esse tipo de pessoa costuma até a sofrer de maneira mais intensa do que as demais. “Como guardam tudo para si, para não se expor e não magoar os outros, essas pessoas ficam com uma carga emocional muito grande acumulada dentro delas”, analisa a psicóloga. Romper esse bloqueio, admite, não é tarefa fácil, mas é uma atitude necessária. “Essas pessoas acham que estão agradando mantendo essa postura, mas não dá para agradar a todos sempre. Isso faz parte da vida, assim, como se expor. Não dá para viver em uma concha”, alerta.
A publicitária Raquel Abreu perdeu a conta das vezes que não falou o que pensava e que ficou quieta quando sua vontade era falar bem alto. Seu sangue de barata, confessa, já borbulhou muitas vezes, mas ninguém percebeu. “Consigo enfrentar as situações mais estressantes sem falar um ai. Certa vez, cometi um erro em um projeto e meu chefe veio falar comigo completamente alterado. Gritou, gritou e não consegui falar nada nem na hora, nem depois. Cheguei em casa passando mal, com uma imensa dor de estômago”, lembra ela. E Esss não foi o único problema de saúde que teve por causa de sua apatia. “Sempre que passo por situações muito estressantes desenvolvo alguma doença”, afirma.
Apesar dessas pessoas sofrerem pela dificuldade de expressarem seus sentimentos, aqueles que convivem com os sangue de barata também enfrentam problemas. Afinal, lidar com alguém que não consegue falar o que gosta e o que não gosta e parece estar sempre indiferente a tudo não é tarefa fácil. “Pode-se dizer que o meu namorado é o típico sangue de barata. Nossas discussões são praticamente um monólogo. Sou eu gritando que nem louca e ele parado, impassível. É muito ruim conviver com alguém assim, que parece nunca ter opinião sobre nada”, desabafa a produtora Tatiana Lopes.
A psicóloga Tânia Pacheco concorda que a convivência com esse tipo de pessoa não é algo fácil, ainda mais para mulheres que têm a emoção à flor da pele. Se, por um lado, a apatia incomoda, do outro, o jeito explosivo é considerado um defeito. “O melhor é chegar a um consenso. Enquanto o suposto sangue de barata promete ser mais claro em suas opiniões, o lado explosivo da relação pode se comprometer a ser menos estourado e respeitar o jeito de ser do outro”, conclui Tânia.