Novas formas de se construir uma família estão surgindo, bem diferentes do modelo de nossos pais, avós e até daquele que sonhamos um dia. Filhos de um primeiro casamento se misturam aos filhos do segundo casamento e, nessa nova estrutura familiar, cabe à mulher novos papéis, de mãe postiça e educadora, quer ela queira ou não. E os rebentos já chegam grandes, crianças ou adolescentes, normalmente cheios de ressentimentos por terem sidos preteridos pela própria mãe e obrigados a engolir a nova mulher do pai. Parece fácil? Pois harmonizar essa moderna estrutura familiar é tarefa que exige jogo de cintura, paciência e muito amor!
A administradora de empresas Lígia Soares tinha apenas 26 anos quando “ganhou” três filhas adolescentes que já moravam com o pai, João Cunha, antes de eles decidirem se casar. Ela, uma mulher irreverente e jovem, não fazia o tipo “mulher mãezona”. Por isso, as três ficaram com um pé atrás, transformando Lígia em uma concorrente direta. “Antes o pai dedicava toda a sua atenção à elas: saía para tomar sorvete, jantar e viajar. Quando começamos a namorar, ele passou a ter que se dividir e elas sentiram ciúme, pois não queriam perder a exclusividade do pai. Se isso já é natural até entre amigos, imagine nos filhos?”, desabafa.
No início do namoro as adolescentes tentaram sabotar Lígia de todas as maneiras possíveis, chegando ao ponto de telefonar para uma problemática ex-namorada de João só para chateá-la. Apesar de magoada, Lígia agüentou tudo sem transparecer nada. “Primeiro eu conversava com o João, que filtrava os problemas e depois falava com as meninas. Acho que entrei no jogo delas, por ser muito nova na época. Hoje eu sei que deveria ter tido mais maturidade”, confessa. As coisas começaram a melhorar com a ajuda de um terapia familiar, que fez com que o casal analisasse a situação com mais clareza e entendesse as reações emocionais das filhas dele. Mesmo assim, Lígia nunca interferiu na educação delas diretamente. “Tenho medo de gerar um conflito conjugal. Ele é um pai muito protetor, que amortece minhas críticas e só leva para elas o que realmente acha relevante. Mas, agora, já coloco a boca no trombone sozinha e isso tem resolvido alguns problemas”, afirma.
A ciumeira chegou ao ápice quando Lígia engravidou. “Elas diziam que o neném não seria irmão delas. Depois que minha filha nasceu, ainda por cima com a cara do pai, a situação se acalmou. Na verdade, o nascimento da Fernanda criou um elo definitivo para toda a família”, revela. Para Lígia, o segredo de seus dez anos de casamento está na sua maneira de lidar com os conflitos: “As reclamações de ambos os lados são feitas para o João, que repassa os problemas de forma mais branda. Por isso, muitas das minhas insatisfações nem chegam aos ouvidos delas e vice-versa”.
Já a produtora de televisão Helena Alves teve a experiência duplicada ao se casar, duas vezes seguidas, com homens que já moravam com filhos do casamento anterior. “No primeiro casamento eu não tinha filhos e acabei assumindo a educação da Catarina, a filha de Estevão de apenas seis anos que havia sido rejeitada pela mãe. Ela chorava muito e tinha um comportamento muito difícil”, lembra. Segundo Helena, a mãe de Catarina era problemática e tinha uma relação complicada com a filha. “Isso acabava se refletindo na família. Ao invés de passear com a filha, ela telefonava e ficava três horas conversando com Catarina. Isso não tinha o menor sentido e acabava confundindo a cabeça da menina, interferindo na relação de todos nós”.
Depois que se casaram, Helena e Estevão tiveram seus próprios filhos, que foram bem aceitos por Catarina. “Apesar da sua rebeldia, ela sempre foi uma criança afetuosa e muito carinhosa com os irmãos”, comenta. A maior preocupação de Helena estava relacionada à ausência de Estevão como pai e educador. “Eu sentia que ele deveria ser mais presente e responsável na formação da filha. Isso fazia com que eu assumisse as responsabilidades e tomasse sempre as rédeas da situação”, lamenta.
Em seu segundo casamento, com Álvaro, Helena se viu novamente envolvida com a mesma situação, mas, escaldada, agiu de outra forma. “Não quis mais me comprometer com a criação de ninguém, até porque as regras já estavam estabelecidas entre eles”, diz. Para Helena, a maior dificuldade na hora de se educar o filho de uma outra mulher está na falta de intimidade. “Durante um certo tempo existe um estranhamento natural, pois ambas as partes estão se conhecendo. Os conflitos surgem daí, mas as arestas podem ser aparadas à medida que vão se estabelecendo os elos de ligação e de afinidades”, constata.
Já a comerciante Aparecida dos Santos Leite conheceu Cristovão, recém-separado, em dezembro de 1985. “Como muitas separações, a do Cristovão foi contaminada por sentimentos de culpa, principalmente por ser dele a decisão de se separar, deixando sua ex-mulher, como ela dizia, na rua da amargura, sem profissão, sem emprego e com três crianças para cuidar”, ironiza. A mãe, durante esse primeiro período, manifestava o tempo todo, através dos filhos, seu despreparo e sua precariedade para cuidar deles. “As crianças chegavam com as roupas amarrotadas, sujas e rasgadas em sacolas de supermercado. A escolaridade também era desconsiderada, por isso eles viviam faltando às aulas. E ainda tinha o ingrediente suburbano, que ela usava como álibi para se fazer de vítima. O pai, vivendo na Zona Sul, com uma mulher independente, inteligente, bem-nascida, profissional de sucesso, e a família abandonada num apartamentinho da Zona Norte, no Méier”.
Na tentativa de evitar sentimentos de abandono, Aparecida começou a dedicar os fins de semana para comprar tudo o que as crianças necessitavam. E foi assim, até 1990 quando nasceu sua única filha. A partir daí as atenções para as outras crianças redobraram. “Nós multiplicamos o afeto e a atenção em relação aos meninos, para deixar bem claro que eles não seriam preteridos por conta do bebê. Os três participaram de tudo, colocaram o berço no quarto onde já estavam os outros e dividiram as gavetas do armário irmamente por quatro. É claro que eu sentia, lá no fundo, um certo ressentimento por não poder decorar o quarto do meu primeiro filho com bichinhos de pelúcia e móbiles de palhacinhos. Mas, que jeito? Isso era secundário e a vida tinha acontecido assim para mim”, desabafa.
Cristovão estava viajando quando Beatriz nasceu. Assim que voltou, sua ex-mulher pediu que ele assumisse integralmente as crianças, pois queria reorganizar sua vida. “Ele vibrou porque sentia a diferença dos cuidados maternos que eu dispensava aos filhos dele e à nossa pequena. Era um padrão muito melhor em todos os aspectos. Trouxe a “boa nova” e eu não tinha outra alternativa senão topar e tentar fazer o melhor possível. Era isso ou desistir dele. E eu mesma me alimentava da onipotência de que poderia fazer melhor, muito melhor. Trabalhava feito louca,12 horas por dia, mas nunca faltei a uma reunião de pais na escola – e olha que eram de quatro crianças em séries diferentes! Jamais deixei de comprar uma roupinha moderninha para as crianças fazerem bonito nas festinhas de aniversário dos amigos, que eu levava e buscava, de levar ao pediatra ou de partir para emergência de madrugada ao sinal da primeira amigdalite”, relata Aparecida.
Depois de uma briga com Aparecida, durante a adolescência, a filha mais velha de Cristovão foi morar com a mãe fora do Rio, onde permaneceu até completar o segundo grau. Hoje isso mudou. Joana está com 21 anos e fez o caminho de volta. “Está sendo importante para todos nós. Na medida em que a recebi de coração aberto, sou companheira, diligente, amiga, mas nunca avanço o sinal da maternidade. Isso vale também para os outros dois. Não sou mãe deles. Sou provedora. Continuo indo a todas as reuniões de escola, porque a mãe foi e continua sendo ausente. Mas é a mãe deles, que eles amam sem restrições. Eu também aprendi a deixar as coisas mais nas mãos do Cristovão, a confiar mais nele, deixei de atropelar, e ele, por sua vez, vem aprendendo a cuidar dos filhos sem medo de ser pai-chato, sem aquele afã de ser amiguinho”, confessa.